If you want me




Olha, se você ainda me quer, não precisa chorar;
se pelas esquinas os teus passos ecoam, vazios,
e se você balbucia, no silêncio vago da noite, o meu nome

basta um suspiro, uma lágrima talvez
e eu estarei lá e com beijos a enxugarei.

Se for possível remover toda essa distância entre nós,

se pudermos destruir os tijolos de nossa indiferença
basta você me querer,

ainda que chorando sob a ponte dos meus sonhos.

Se cada vez que erguer os braços ao vento

e sentir o toque de veludo da brisa que me envolve
eu puder sentir o toque amigo de suas mãos isso será possível,
se você me quiser.


Se você me procura pelas ruas desertas,

pelos bares noturnos, no meio de baratas marafonas
eu te digo:
te espero, sempre!

e isso será possível
e valerá a pena
se você ainda me quiser.

Frágil liberdade





Foi num dia azulado que Alberto me aponta uma multidão de bolhas pelo ar daquele dia quente. De forma profusa elas se espalhavam pelo ar numa dança ritimada pelo vento da manhã. Como imenso rebanho subitamente liberto, corriam para todas as direções, uma carreira louca e ao mesmo tempo sem destino certo, até que se evaporassem ante o implacável calor que nos fazia suar.
E como num transe eu pude mergulhar naquele mar ensaboado de bolhas felizes e tão fugazes. Elas como que me sussurravam que a vida estava ali, naquele instante, a passar. No exato momento em que me envolvia por problemas e falsas necessidades (coisas do mundo moderno) a vida sorria lindamente para aqueles que se permitiam contemplá-la. Não era ela a culpada por me sentir assim tão perdido num caldeirão invisível de cobranças e responsabilidades; não era a vida a responsável pelo mal humor que me desperta de manhã ou pelos desacertos de uma existência quase literária. Não! A vida sempre ensinou a liberdade. Ela própria se fez livre, me dando a opção de ser feliz quando eu mesmo me neguei isso. Sempre ensinou a vencer todos os preconceitos, a enxergar o semelhante por trás da máscara que ele colocou, ao sair de casa. E é assim que me sinto agora: como um alguém que desaprendeu a ser livre. E aquelas bolhas de sabão fugazes, fugidias, é que me despertaram para isso. Elas são a prova de quanto nos esquartejamos por conquistas inúteis, o quanto nos torturamos por amores que não nos pertecem. Ainda que sejam frágeis, eu sei que aquelas bolhas de sabão são mais felizes do que eu. De onde estão, podem ver a vida de um ângulo que eu não. E não se trata da altura de suas pretenções ou o quanto podem voar pelo céu. Mas da forma louca, varrida e despreocupada como se entregam ao sabor do vento, naquela manhã quente, quando Alberto me cutucou para que seguíssemos o nosso destino.

Eternal Friends





Folheando as páginas amarelas do meu exemplar d’Os três Mosqueteiros começo a pensar que fomos também (em algum dia do passado) inseparáveis. Três amigos que sonhavam conquistar o mundo.
Muitos anos distantes da velha França de Athos, Porthos e Aramis, Alberto, Jairo e eu construímos também dias de aventuras não menos emocionantes quanto os vividos pelas personagens do meu Dumas carcomido. Ainda que nossas epopeias fossem desprovidas de afiadas adagas e belas donzelas enclausuradas em palácios reais, também tivemos nossos instantes de pura epifania, movidos por vinhos baratos e amores platônicos. Nossos atos mais heroicos se deram não em duelos mortais ou batalhas sanguinárias, mas na coragem de sermos apenas os quase-cantores-escritores que conseguimos ser. E fomos mais felizes assim.
A amizade daqueles três exímios mosqueteiros estava acima dos mais altos valores, um código de ética que poucos eram capazes de compreender. Uma lealdade construída sobre os pilares da união, da camaradagem e do senso de justiça. A amizade que os unia era mais forte que a própria morte.
Mas, ainda que as páginas que tenho nas mãos tentem me levar para os tempos medievais da França do Antigo Regime, é nos meus companheiros de canções e café que penso agora. Penso sim nos dias que dividimos juntos, com o mesmo entusiasmo pela vida e seus mistérios, como os mosqueteiros de Alexandre Dumas. Penso, neste agora saudoso, nos nossos debates inúteis (nós nem sabíamos exatamente o que discutíamos) sobre a vida e suas filosofias, sobre Deus e a incredulidade de Alberto. Penso de forma elegíaca nas canções tristes que Alberto e Jairo (eu sempre fui o desafinado do grupo) extraiam dos seus violões. Eram músicas que tinham a nossa cara, exaltavam o sonho, a transcendência, o libertar-se, o amor oculto que se revela de repente.
Um leve sorriso brota de meus lábios. É a lembrança de Alberto, rindo de qualquer coisa, a sua flauta branca debaixo do braço, me trazendo, esbaforido, um novo conto que escrevera na noite anterior. A determinação e prática fizera-o ser mais do que eu próprio supunha ser: mais que o quase-escritor que acabei me tornando. E eu não sabia que um dia conheceria um escritor de verdade, ainda mais na sua fase inicial...
Por um instante imagino quantos milhares de pessoas deram boas gargalhadas com as trapalhadas de Athos, Porthos e Aramis em Os Três Mosqueteiros. E me atrevo a pensar se nossa vida, a minha e a dos meus dois amigos, Jairo e Alberto, com nossas mancadas próprias e projetos inconclusos, também não daria motivo para rir. Bem, isso eu jamais saberei. Mas ao menos algo ficou como legado de nossa convivência na nossa casa querida, a dos meus idílios. E isso certamente, eu creio, apenas eles entendem o que quero dizer.

Des(engano)




Eu me vou para longe
para longe de mim eu vou
verdadeira aventura sem fim
esse não estar em mim

Total desencontro
caminhos ambivalentes
para longe eu vou
de mim e por mim.

O que me espera?
Quem eu? engano?
Esse não estar em mim
verdadeira aventura enfim.

Uma vez e nada mais




O fim da sua jornada se aproximava. Logo, Pablo teria de partir, então diria adeus a Andreia, a bela garota que dividira sua poltrona numa viagem qualquer. Por isso a olhava com mais interesse ainda, queria ter a certeza de que se lembraria do seu rosto, a maneira como sorria, dos seus olhos marcados por lápis preto.
Soube que ela vinha do Rio de Janeiro, ia visitar os pais no Ceará e não tinha data para retorno. Pablo achara estranho uma viagem assim, sem dia para acabar. Talvez pudesse fazer isso um dia: viajar sem retorno, sem data certa para voltar.
A paisagem corria rápido pelo vidro da janela embaçada pelo ar condicionado, e Pablo aproveitava para contar seu limitado repertório de anedotas, e mesmo assim Andreia ria com sincera gratidão por ter encontrado um companheiro de viagem tão espirituoso. Contou a ele como fora parar no Rio, um amor que não dera certo, ele acabou me decepcionando. Também disse como gostava de ler, das muitas tardes em que ficava deitada na sua rede folheando as páginas de Vidas secas, e discorria sobre a bela arte do mestre Graciliano.
Sentiu o ímpeto de tocar sua mão, mas o receio de assustá-la foi maior, então deteve-se e lhe contou como se metera nesse negócio de escrever, falando dos livros que tanto amava, das noites em que ficava até altas horas, bêbado e dizendo coisas tolas. Contou-lhe ainda sobre seu melhor amigo, Alberto e sua genialidade musical que preenchia tantas noites ao luar e ao café. "Ao café?", ela perguntou, dizendo que não havia nada de romântico nisso. Então eles riam. E era bom...

A noite ia já alta, os dois estavam calados e pensativos. Pablo sabia que logo teria que descer, sua cidade se aproximava. Num assomo de coragem Pablo disse que jamais se esqueceria daqueles momentos que viveram ali, numa viagem qualquer. Andreia sorria, assentindo. Ele pode ver uma sombra passando por seus olhos, uma ponta de tristeza. Seria por ele? Tomou sua mão perfumada (se lembraria daquele perfume?) e beijou-a delicadamente e disse tchau. Antes de descer olhou ainda para trás. Mesmo na penumbra, pode vê-la, os olhos tristes. Uma lágrima?

A última coisa que pensou foi na frase do grande Vinicius, mestre na arte de retratar momentos como o que acabou de viver: "A vida é a arte do encontro, embora haja tantos desencontros pela vida".

Flores mortas em mim




Flores mortas pintam o chão,

um escarlate mortal que tinge a tarde sem fim.

Folhas se perdem com o vento noturnal,

eternizam a passagem do tempo,

e são levadas pelo canto das estrelas brilhantes.

O velho jardim de flores mortas

que beira os quintais, que acolhe os forasteiros,

não traz poesia nas noites sem violão,

não faz de mim poeta ou cantor.

As eiras se perdem por sonhos algures,

mas o jardim tem seu espaço limitado

pelo claustro da solidão,

e então tudo ficou para trás.

Se tenho um jardim? Se ouso pisar-lhes

suas folhas mortas?

E de repente me vejo sangrando,

e suspiro a dor das folhas que caem

puro sangue que escoa, que banha a terra sedenta.

O jardim, de escarlate cor, de dor carmim.

Sonho perdido



não foi esta a vida que sonhei: uma forma de existir desprovida de cor e diálogos. uma maneira de ser, de reencontrar, para depois perder, ainda mais intensa que antes. não foi assim que sonhei.
podia jurar que tudo fora construído para ser perfeito. que não teria tanto caos no meu pensar vago e interrupto. que a chuva não me faria sentir vontade de chorar (e assim fico). acreditaria que é apenas elucubração cada lembrança ruim trazida pelos grossos pingos que violentam o meu telhado. que o cheiro de molhado seria um convite a lavar minha consciência impura e néscia. que, embora distante, meu coração não se perderia, não perderia sua força ao menor sinal da avalanche sorumbática de todas as noites, noites de todos os sons...
esta, deveras, não é a vida que quis. repleta de garrafas vazias, de portaretratos espatifados, de receios grotescos. são caminhos tortuosos como poesia sem métrica, envolvidos em profundos meandros de dúvida e imensa constelação de erros vários. e era para ser? era assim que eu me perderia? que ficaria nauseado pelo ópio do medo, da palavra insegura engasgada como está? quimeras. e quem dera.
deveras! a vida que eu quis, não esta. mas um sonho bom, que me embala quando canso de ser eu mesmo...

Degraus e incerteza




sem pressa. os degraus se sucedem, um a um. o frio da madrugada volatiza-se em névoa esbranquiçada. e penso que poderia me volatizar também, ter minha condição sólida transformada em pura névoa cinzenta de tantos erros e idílios. a cada passo o olhar encimesmado encara a pífia claridade, sons perdidos ecoam na vagueza dos pensamentos e me vejo só.
meus passos vacilantes me levam para cima, de repente uma nova realidade se desfigura, e meus passos cansados e lerdos se confundem com o desejo de ficar. sem pressa...

esta impressão um tanto usual é mesmo necessária. o ar frio que inspiro em puxadas rápidas e limitadas machuca-me os pulmões. então acelero. então chego. em lugar algum?
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