Respostas




São palavras acres, essas que dizes,

é só olhar em volta, pois tudo está aqui.
Ainda que sejam lamentos confusos,
ainda que tudo faça-nos chorar,

a verdade reside em tudo que somos, em tudo que oferto.

Mas teu desejo inseguro,
tua dor que alto clama
isso eu não posso ouvir,
tenho os ouvidos atentos,

mas perdidos em profundo desespero,

porque nada tenho que falar...


Lágrimas escuras vertem-se ao chão frio,
e o grande peso que é posto sobre nossos corações cansados
dilacera a vida que com sangue construímos,

então, chorar, não é?

Não, me entendas mal, como fazes

até já não posso sentir as pontas dos teus dedos

partiremos em seguida? Deixar-me-ás?

Olhe os meus olhos, veja-se neles!

Não partas assim, mas me envolva em si,

faças de mim parte tua, metade devoluta,

corpo que espera, coração que geme

Amor que pretende.

O sentido da existência




Me pergunto muitas vezes o sentido da existência. Pelo menos da minha. Há pessoas que financiam cada dia seu na néscia corrida pelo ouro, de tolo. Há pessoas que simplesmente desistiram de transformar sua realidade. Como zumbis modernos renegaram da sua vida a vontade, o desejo de marcar sua existência (lá vem eu de novo! é que ando lendo Sartre, ultimamente!) com uma história que valha a pena contar para os outros.
Mas, e quanto a mim? Bem, creio que não estou em nenhum dos dois grupos. Talvez no meio-termo. Nem um, nem outro. Apenas no meio. Enquanto assisto muitas pessoas passarem pela vida vendo a vida passar, tento não me acomodar. Por outro lado, não me considero um sujeito pró-ativo, destes que "fazem acontecer". A começar pela literatura. Enquanto muitos grandes escritores marcaram gerações com uma obra piramidal, em meu caso os meus escritos vagabundos nem sequer estão à altura de uma quitinete. Por mais que o hábito quase que diário (nem sei porque) de sentar-me em frente à tela branca do meu pc (ah, a tecnologia!...) vendo o cursor piscar irritadamente, isto não foi capaz de me tornar o escritor que sempre sonhei. Em diversas ocasiões quase conseguia ver a estante abarrotada de volumes escritos por mim, uma obra que marcara gerações, assim como Nietzsche, Dostoiévski ou Garcia Márquez. Mas não. Nem um mísero folhetim, nem mesmo o tão esperado "Pasquim", que Alberto , Jairo e eu sonhamos tanto ver circulando por aí... Me contentei ao recurso quase-limitado do blog. Mas, fugindo das questões literárias ou quase, penso nela agora. Na mulher que tem enchido minha vida de encanto e som. Na jovem morena de cachos marrons que me ensina a cada dia o que é vida. É nela que posso me sentir "o tal", como se eu fosse um novo Kafka, um remanescente da geração de grandes escritores que marcaram minhas leituras. É nesta pequena criatura que tenho meu mais profundo encontro com o sentido do existir. Ao seu lado posso compreender que tudo pode ser simples, que as quimeras que enchem meu peito podem materializar-se no sentimento que me completa e redime. E é com isso que tudo é satisfação e transcendência: ao simples ato de contemplá-la à luz do dia perfeito, sua pele morena reverberando o brilho da mais perfeita poesia, que nenhuma palavra que eu diga ou escreva é capaz em si. Toda vez que você se perguntar o porquê de estar aqui, olhe para o lado. E veja quem está com você. Simple together

A solidão necessária



A água do mar roça de leve os meus pés, mas não ligo. É uma sensação boa, refrescante neste dia quente de setembro. O vento ajuda a compor a melodia da natureza que me envolve e uma paz conhecida começa a volatizar-se e invadir os meus sentidos. É isso o que queria. A solidão boa, a solidão que transforma o silêncio em poesia e a vaguidão em metamorfose. Eis a solidão necessária.
Balanço os meus pés na água fresca, chapinhando e formando pequenas ondas de espumas que contemplo com interesse: rapidamente elas se dissolvem, numa profusão esbranquiçada. Muitas vezes me sentira assim mesmo, sendo dissolvido por minhas aspirações incertas, meus receios desvanecidos, meus projetos inconclusos e amores platônicos...

Mas não quero lembrá-los agora. Apenas sentir este instante de poética magia. É quando a ausência dos outros me faz bem, quando tenho a chance quase que única de ver o que prédios cinzentos e vidas impessoais me impedem. É quando posso me permitir ouvir aquela vozinha, ainda que tímida, vinda lá de dentro, a voz do que eu mesmo sou. Ou que ao menos tento.
Nietzsche, por exemplo, foi um desses raríssimos seres amantes da solidão necessária. Era em seus momentos a sós em caminhadas pelas montanhas que podia refletir sobre a filosofia que acabou influenciando gerações. Era nestes instantes de vaguidão e vagueza que podia ouvir a si próprio, se reafirmar como ser existente (estarei citando, sem saber, Sartre?) e poder absorver um pouco do húmus espiritual que tanto nos falta hoje. E, claro, saciar sua sensibilidade com a bela música e os poucos livros que amava.

Então penso como esta geração é pobre. Não em riquezas materiais, mas nesse ingrediente indispensável para o entendimento do que somos, fomos e seremos. As pessoas hoje em dia não querem mais usufruir uns míseros minutos a sós. A simples menção de estar "desplugado" do celular super-potente, do mp4 abarrotados de gigas de capacidade pode causar vertigem em alguns. Desaprendemos a arte de estar a sós. Nutrimos o medo de nós mesmos, daquela vozinha a que me referi. A juventude, principalmente, é a mais afetada por esta corrida louca e abespinhada pelo... pelo... pelo quê mesmo?

Então, isso. Não dá mais tempo de pensar e olhar para dentro de si mesmo, ouvir os próprios anseios. Ou melhor, dá trabalho, como diriam os nossos mancebos atuais. Esse o saldo da tecnologia que tanto nos deixa assombrados como desnorteados por uma alienação incomum. Talvez seja mesmo o fim de nossa própria essência, fadados que estamos a nos tornarmos zumbis hi-tech.

Uma lufada de vento faz com que uma onda mais ousada me molhe. Agora, sentado na beira da praia, as roupas enxarcadas pela água salgada, algo enche meus pensamentos. Sorrio. Agora, vou ter uma conversa. Comigo mesmo.

Tarde ausente em mim





De repente um abraço. E parece que a vida ficou mais leve, serena. As árvores daquela tarde não eram menos verdes e livres; e eu bem pude entender a música deste passado bom.
Os minutos ameaçavam a paz que nos envolveu, mas eu não estava preocupado, apenas... leve. O cheiro de fim de tarde era mais um ingrediente para o amor que acabava de nascer, e por mais que fosse estranho, por mais que tudo aquilo me deixasse encabulado, por mais que olhos estranhos e curiosos nos fitassem com incômoda insistência, eu me sentia bem, assim, nos seus braços. Ou será nos nossos?
E pensar que esperei uma semana inteira de incerteza, de medo: o receio que te preocupava, a impossibilidade que nos cerceava, a visão imprecisa de futuro, um futuro juntos.

De repente, sem esperar, um abraço. E nossas canções se fundiram numa única melodia. Os muros que dividiam nossos recônditos abrigos começaram a ruir, cada tijolo de indiferença, cada página solitária de nossas vidas, cada muda pergunta que nos fizemos, pifara, desconstruíram-se, foram feitas pó, cinzas lavadas pelo desejo indizível de nos estarmos, nos sermos. Como poesia que subitamente invade o branco papel, assim a tarde de nossa felicidade nos marca e nos redime. E então nos vemos caminhando num rumo único, convergindo para o mesmo horizonte, e parece que o quinhão de minhas mais profundas quimeras se desprendera do meu peito se refazendo no que contemplo agora: você...

Sem esperar, este gesto não avisado, um abraço. Em torno de si, e de mim, estou seguro, o mundo não mais é uma ameaça, e eu não tenho que aceitar as dores que brotam de meus olhos e a falta da velha casa dos meus idílios. Como disse, uma tarde musical, transcendente, pura epifania e cor, a tarde não da sua ausência em mim, mas apenas você e eu, num abraço que eu desejara que jamais acabasse.

Estranha num bar




Penso na mulher sozinha no bar. O copo vazio denunciava que ela bebera vários
drinks. Uma mistura de cigarro e fragância de mulher exalavam de seu corpo. Então tive vontade de me aproximar e quem sabe pagar-lhe uma bebida. Mas me detive. Seus olhos estavam opacos, parecia não ver nada que não a sua própria ruína. Parecia estar ali há muito tempo, como a esperar. Mas quem esperaria por um alguém que nunca viria? Mesmo assim, meio ébria, os cabelos um tanto amarrotados, era bela aquela mulher. O batom borrado nos seus lábios carnudos ainda eram um convite para um tórrido beijo, e começo a querer conhecê-la. A cena de sua bêbada noite solitária mais parecia um quadro de Klimt. Uma imagem surreal que me acompanhou por muitos sonhos depois. E muitos sonhos depois eu evocaria a mulher solitária naquele bar à meia luz... De uma hora para outra ela parece se cansar de esperar por seu amante imaginário, mas logo desiste de ir embora, porque percebo que pede ao barman mais uma dose de uísque. Sua indecisão me aborrece, mas não tenho coragem de abordá-la. Ainda assim ela me atrai, fico enfeitiçado por sua desgrenhada solidão. Solidão esta que tanto parece com a minha...
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