Sob a sombra das incertezas




Parece que os teus olhos se perdem num passado próximo. Lembram-se do instante de nós dois, quando vivemos juntos as tardes cinzentas sob a brisa fria daquele inverno antigo. Parece que nem faz tanto tempo assim, e eu podia-te ver sorrindo por algo tolo que eu dissera ou quando sonhávamos em construir o mundo juntos. O nosso mundo.
A mim me parece que não há mais tempo, pois não temos mais os mesmos sonhos, as mesmas quimeras ou sequer pensamos um no outro e, mesmo esses efêmeros instantes, quando de longe, apenas assim, te vejo, é como se o tempo voltasse, retrocedesse, fazendo com que meu coração disparasse um sei-lá-o-que que ainda incomoda. É, eu sei, compreendo esta loucura que me acomete, sombras de incerteza que dissipam toda minha razão, todo meu prazer...
Uma sombra triste invade meu pensar, imagens desconexas pipocando a todo instante, flashes agonizantes torturando minha memória trazem teu olhar lânguido de volta. Eles estão desconcertados, hesitantes, e sem me encarar miram um dia que lá para trás ficou. E sei exatamente o que os teus olhos veem.
Parece que foi ontem. Ainda posso sentir o cheiro de todas as coisas que fizeram parte deste ontem, e é como se me pudesse ver repetindo aos cantos que eu não te amo, quando, na verdade, tudo é engodo. Mas teus olhos não me enxergavam mais. Estavam vazios, perdidos no espaço diante de nós, e apenas pude sentir a dor de cada palavra tua me dizendo que é tarde, tarde demais porque tudo o que eu sentia por você, as muitas noites em que esperei que simplesmente me dissesse “te quero” e nada foi dito mitigaram pouco a pouco todo aquele encanto que nasceu do improvável. E não posso negar; te amar me consumiu nestes dias de inverno, me fez chorar, sem entender como um sentimento assim pôde não ser notado, ignorado, tão à vista que estava, porque você não soube me olhar.
Agora tudo foi posto para fora, todo este afeto chorado na minha solidão, as minhas mãos que continuaram frias sem o toque das tuas, tudo isso ruiu com meus idílios, e me entenda, não quero mais revivificá-los. Me perdoe Pablo, mas não posso mais voltar atrás, ainda que possa ver o que teus olhos me dizem de forma tão óbvia, desse amor que ainda levas em teu peito. Só posso dizer adeus.

Apenas em mim tudo isso ainda é. E parece que nem os teus olhos podem negar isso...
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