A solidão necessária



A água do mar roça de leve os meus pés, mas não ligo. É uma sensação boa, refrescante neste dia quente de setembro. O vento ajuda a compor a melodia da natureza que me envolve e uma paz conhecida começa a volatizar-se e invadir os meus sentidos. É isso o que queria. A solidão boa, a solidão que transforma o silêncio em poesia e a vaguidão em metamorfose. Eis a solidão necessária.
Balanço os meus pés na água fresca, chapinhando e formando pequenas ondas de espumas que contemplo com interesse: rapidamente elas se dissolvem, numa profusão esbranquiçada. Muitas vezes me sentira assim mesmo, sendo dissolvido por minhas aspirações incertas, meus receios desvanecidos, meus projetos inconclusos e amores platônicos...

Mas não quero lembrá-los agora. Apenas sentir este instante de poética magia. É quando a ausência dos outros me faz bem, quando tenho a chance quase que única de ver o que prédios cinzentos e vidas impessoais me impedem. É quando posso me permitir ouvir aquela vozinha, ainda que tímida, vinda lá de dentro, a voz do que eu mesmo sou. Ou que ao menos tento.
Nietzsche, por exemplo, foi um desses raríssimos seres amantes da solidão necessária. Era em seus momentos a sós em caminhadas pelas montanhas que podia refletir sobre a filosofia que acabou influenciando gerações. Era nestes instantes de vaguidão e vagueza que podia ouvir a si próprio, se reafirmar como ser existente (estarei citando, sem saber, Sartre?) e poder absorver um pouco do húmus espiritual que tanto nos falta hoje. E, claro, saciar sua sensibilidade com a bela música e os poucos livros que amava.

Então penso como esta geração é pobre. Não em riquezas materiais, mas nesse ingrediente indispensável para o entendimento do que somos, fomos e seremos. As pessoas hoje em dia não querem mais usufruir uns míseros minutos a sós. A simples menção de estar "desplugado" do celular super-potente, do mp4 abarrotados de gigas de capacidade pode causar vertigem em alguns. Desaprendemos a arte de estar a sós. Nutrimos o medo de nós mesmos, daquela vozinha a que me referi. A juventude, principalmente, é a mais afetada por esta corrida louca e abespinhada pelo... pelo... pelo quê mesmo?

Então, isso. Não dá mais tempo de pensar e olhar para dentro de si mesmo, ouvir os próprios anseios. Ou melhor, dá trabalho, como diriam os nossos mancebos atuais. Esse o saldo da tecnologia que tanto nos deixa assombrados como desnorteados por uma alienação incomum. Talvez seja mesmo o fim de nossa própria essência, fadados que estamos a nos tornarmos zumbis hi-tech.

Uma lufada de vento faz com que uma onda mais ousada me molhe. Agora, sentado na beira da praia, as roupas enxarcadas pela água salgada, algo enche meus pensamentos. Sorrio. Agora, vou ter uma conversa. Comigo mesmo.
5 Responses
  1. Gutor Says:

    Não velho, ai, doido, caraca!!!
    Estou sem saber o que dizer, velho...
    Esse texto está perfeito, muito massa...

    Realmente a solidão boa é deveras interessante. Pensar, filosofar, escrever, tudo isso depende da solidão boa.

    Valeu véi


  2. Fábio Ronne Says:

    Estar acompanhado de 'eu mesmo' é o mais complicado de tudo, realmente. Motivo: temos medo de ouvir os nossos gritos de socorro!

    Muito bom texto! Diria relaxante.

    Agora, tenho que ir. Comigo mesmo.

    Abração!


  3. No inicio ouvia as pessoas comentarem que a tecnologia aproximaria as pessoas no entanto, vejo que as afasta. Por exemplo, estou ao lado do escritor dessa magnifica obra e em vez de dizer,simplesmente, a ele o que a mensagem me passou prefiro teclar minha conclusões.


  4. Que texto tocante.
    De fato, é difícil olhar pra dentro de si mesmo... Nem todo mundo está pronto pro que vai encontrar.

    "O vento ajuda a compor a melodia da natureza que me envolve e uma paz conhecida começa a volatizar-se e invadir os meus sentidos."
    Comigo, quando isso acontece, geralmente eu consigo identificar uns 3 ou 4 tipos de passarinhos diferentes que ficam cantando, e eu sempre penso que é minha sinfonia particular.

    Não sou exatamente uma pessoa introvertida, mas eu gosto de ficar sozinha.

    Não costumo ficar citando clichês, mas sabe qual a VERDADEIRA solidão, pra mim?
    "Sentir-se só em meio à multidão..."

    Se você não se sente só quando está consigo mesmo, então não é uma solidão completa...

    Curioso, não?


  5. Anônimo Says:

    Texto lindíssimo, Pê!

    Suas belas impressões, unidas ao seu talento literário, formam algo de agradável leitura!

    Parabéns! Vou colocar o link lá no seu comentário ;-)

    Abs, Robson.


Blog Widget by LinkWithin