A Jesus, com carinho




As lágrimas que derramou foram capazes de confortar tantos corações, apesar dos muitos anos que passaram. Seus olhos jamais se detiveram no nosso erro, na nossa estupidez, em nossa forma insana de satisfação. Ao invés, acolhia aqueles que estavam cansados e oprimidos, pobres pessoas que perderam tudo, inclusive o direito de terem uma existência digna.
Em toda a história nunca houve tão sublime forma de amor como a que Ele demonstrou pela humanidade. Um amor tão imenso, capaz de vencer as garras da morte, de derramar vida sobre o árido cárcere da desesperança e angústia. Aqueles que sobrepujaram suas mazelas próprias e se detiveram nas profundas palavras que Ele disse, experimentaram uma nova forma de viver e puderam pela primeira vez ter prazer em ter nascido e no novo dia que os acolheria...
Seus passos guiaram multidões à luz e suas atitudes incomuns marcaram uma geração de perdidos e desamparados. Sua abnegação tocou profundamente corações tão duros como a rocha; sua integridade causou constrangimento a um povo de índole má e infiel. E jamais foi capaz de dirigir rudes palavras a quem quer que fosse.
Em meio a um tempo desfavorável, soube extrair dos momentos de solidão uma paz indescritível, que O enchia. Nos instantes de privação foi o mais satisfeito das criaturas, nunca reclamando ou maldizendo sua condição, as circunstâncias ou dificuldades porque passara. Foi o verdadeiro Mestre da vida, da plenitude, da paz, do amor...
Até mesmo no seu instante mais doloroso, não voltara atrás. Viveu cada instante de seu cálice com nobreza de caráter e com dignidade aceitou tão pesado jugo. Seus olhos não estavam perdidos no vazio trazido pelo sofrimento trazido pelos amargos açoites ou os pontiagudos cravos que dilaceraram sua carne, ainda que sentisse a vida esvair-se pouco a pouco; mas no brilho de esperança dos olhos daqueles que aprenderam a amá-lo, respeitá-lo e tê-lo como Mestre e Senhor.
Seu último suspiro trouxe escuridão e tremor sobre a terra. De repente acabara o sonho? Aquele que ensinou a tantos a extraírem de si próprios a arte de viver com plenitude se fôra assim, de uma forma tão trágica? NÃO! Nunca.
Porque Ele está acima da morte, e seu espírito e alma jamais poderiam ser tocados pela corrupção. Antes, levantou-se de entre os mortos depois de três dias e devolveu àqueles homens e mulheres a alegria por sua vitória sobre a morte e as hostes malignas. Sim, Jesus vive! VIVE! E sua vontade é que todos possam experimentar dessa vida que jorra de si com abundância, dessa paz que nasce em meio aos temporais e desse amor, que é capaz de restaurar corações e trazer de volta a nobreza, a dignidade e a verdadeira felicidade que se traduz em seu nome: JESUS.

Reflexo do que não somos mais




E pensar que tanto tempo faz desde aqueles dias frios, de inverno, que vivemos juntos. Quando nos acalentávamos um ao outro ouvindo Watermark no pequeno toca CD enquanto invocávamos nossos sonhos mais bizarros. Pensar como era bom nos sentirmos assim, como criança, agindo de forma irresponsável diante a vida, vivendo o sonho de viagens imaginárias por lugares distantes, onde antigos mistérios desafiavam nossas quimeras.
Pensar que escolhemos cada tarde, onde pudemos construir mundos maravilhosos juntos, e de uma forma solta zombamos da vida, de suas limitações, suas convenções. Pensar que rimos tanto disso que, cansados e introspectivos, púnhamos a pensar na fragilidade de tudo, do ser humano, na tentativa de cedermos um pouco do nosso espaço ao outro, no fato de olhar dentro dos olhos e ver ali a resposta para tudo o que perguntamos...
Pensar que em poucos minutos percorríamos terras longínquas, marcadas por sinais que desafiam os tempos e os homens, outrora visitados por entes legados da invencionice ou não de querermos crer ou negar. E pensar que o pacto de sermos para sempre fiéis aos nossos ideais, à nossa própria revolução acabasse por fim definhando, assim como uma flor que, depois de irradiar beleza e mistério, murchou e se perdeu. E pensar que um dia seríamos não tão livres, mas simplesmente... adultos.
E quem pensaria que nossa forma hedonística de viver perderia a graça, o encanto, o oculto descoberto das respostas que nunca encontramos? Quem imaginaria, ora bolas, que o futuro nos transformaria, e seríamos, enfim, cooptados pelo capitalismo do consumismo descartável e da falsa noção de utilidade ao outro? Mas, para que?
E pensar que o elo que nos servia de lema e mantra se quebrara, assim como a tarde que nunca mais foi, com a velha casa, o vinho barato, a embriaguês mental e nossa espontaneidade à flor da pele. Pensar que tudo se foi, e o que restou, então? Apenas a aurora de um novo dia, que aos poucos nos faz ser menos nós mesmos...



A Sheila e seu jardim de rosas de pedra.

Memórias do meu cárcere




Pela janela vislumbro o céu arroxeado que me saúda. Um novo dia começa. O corpo nega-se a despertar do torpor noturno, toda a musculatura dói como se tivesse sido açoitada; também meus pensamentos estão doloridos por uma saudade insistente, custa-me esta ausência de rostos e lembranças.
Permaneço deitado, é domingo, não há nada a fazer, a não ser digerir o gosto insalubre da solidão que é inevitável. Daqui a pouco burburinhos serão substituídos pelas banais saudações, por piadas contadas ainda na noite anterior e que ainda incitam a risos e escarninhos. Mas eu não estava mais ali: meu universo era outro; outros eram meus pensamentos.
A leve brisa que desliza pela janela traz um pouco de alívio do calor infernal que nos maltrata, os raios do sol mudam de tom, do arroxeado, depois avermelhado, até atingir uma tonalidade amarelada. Os minutos vão escorregando lentamente, o dia vai tomando forma, cor, densidade, textura. Ao contrário, menos palpável é esta realidade que tenho vivido ultimamente. Uma realidade crua, fria e disforme.
Tento levantar, o corpo impede este movimento, então desisto, não há nada mesmo que fazer; talvez um banho de mar mais tarde, depois que minha disposição mudar...
Ao longe os muros imponentes, intransponíveis dão a sua mensagem: por trás deles a liberdade, sem regras, horários, nem ordens. Uma liberdade muitas vezes negada, impedida, será que a sabemos valorizar?
Os primeiros vultos revolvem-se em seus beliches, num canto mais distante conversas abafadas brotando, que horas são, você pode emprestar-me um barbeador?
Começo a me lembrar dos tempos de guri, cada novo dia era a chance de realizar grandes coisas, um mundo era construído através dos brinquedos e brincadeiras, que se davam sob a sombra das mangueiras. Bons tempos aqueles...
Mas os tempos são outros. Tempos de uma liberdade limitada pelo relógio, por cada dia, por um dia num futuro incerto, quando a liberdade se tornará de novo completa e sublime. Sem muros, sem manhãs desbotadas, sem a ausência de cada passado. Me levanto, enfim; mas permaneço sentado no colchão que tomou a forma de canoa, consulto o relógio: 05:20h. A vida se limitou a dia-após-dia, uma espera angustiante, uma demora agonizante até que venha, afinal, a redenção, a glória, a conquista. Mas até lá é assim; terei que conviver com cada sombra, cada vulto se revolvendo em seu leito, cada manhã que vai se tecendo pelos céus da baía.
Olho mais uma vez os muros imponentes, será bom sair um pouco, arejar a mente, quem sabe um banho de mar?, e sentir as ondas quebrarem ingênuas nos meus pés, como a lembrar que a vida é feita de um vai-e-vem interminável, até que nasça a próxima manhã.

Óculos escuros



Os olhos que vêem mais fazem que só sonhar.
Os olhos não só choram,
Mas lamentam instantes que doem e machucam.
E como falam...
Vivem revelando esperanças incontidas, desvendam segredos ignotos,
Enxergam mundos distantes e inconcebíveis...

Olhos são sempre mais fiéis.
Mesmo diante de falsas sinceridades.
Não se deturpam diante de palavras mentirosas,
Mas revelam uma ternura ímpar, ao objetivo do seu amor.

Os olhos são o portal da alma
que se esconde sob escusas e ludíbrios
Ou sob as escuras lentes dos óculos
Os olhos ferem, envolvem, recusam-se... aos olhos.

Até dão o amor os olhos
Até são o amor os olhos...

Olhos assim, de amor, me alcançaram.
Mas os meus resolveram esconder-se sob óculos escuros.
Por incapacidade de saber o amor desses olhos.
Então clamam um nome sem palavras.
Emudecem ao ver de longe, os olhos que sempre amou.
Desabafam saudade sem sentido, rejubilam céticas alegrias.

Nada podem dar, este olhar?
Talvez calor, ternura, compreensão ou fé.
Além de solidão – eis o que restou.

Concebido na Pro-Matre em 30/05/2004, 12:31
Finalizado em casa em 12/08/2004, 22:39
Reformulado em 18/07/2009, 15:55, SSA

Um instante de separação






Não pense que não chorei

Quando procurei por tua mão

Apenas o silêncio, que me envolveu.

Não será fácil, e não foi fácil

Não te encontrar do meu lado...



Os muros altos que nos separam,

A fortaleza de papel que construí

Ruiu, e agora?

Não posso enxugar as lágrimas,

E os sonhos me angustiam assim, somente.



O lugar do nosso encontro

Agora está vazio

E tudo o que posso fazer

É esperar, até que um dia você volte...



À passagem do tempo





Não é novidade, o tempo talvez seja o maior inimigo do passado! Aquilo que agora é o deixa de ser daqui a um segundo, já dizia Lulu Santos. Também as lembranças são avariadas pela passagem deste ser invisível que mexe com a cabeça de muita gente. Cada dia elas perdem um pouco de seu colorido, de sua textura; no máximo uma imagem amarelecida e borrada se preserva nos recônditos de nossa memória...

A cada novo dia me lembro menos do guri de outros tempos. Quase é impossível enxergar neste emaranhado de lembranças velhas e carcomidas a face pueril do eu que um dia fui. Aquele mesmo guri que se brindava com tardes alegres à sombra das mangueiras no imenso quintal da casa antiga. Restou apenas a imagem cansada do eu de agora, borrada também por lágrimas e delírio. O guri se foi. E agora não passa de um velho slide mental!...

À passagem do tempo estamos todos condenados. Ou será redimidos? Porque o nosso atual modus vivendi nos diz para correr, correr ainda mais, para não perdermos tempo, pois o tempo passa. Perdermos tempo? Não há maior engano nessa afirmativa. Porque não perdemos tempo nessa nossa vida louca; perdemos é a vida quando desperdiçamos tempo. E o tempo jamais será benevolente para aqueles desavisados. Deles serão arrancados a mocidade, a realização, a esperança. Viverão uma derrocada pessoal, rumo ao abismo do esquecimento...

Eu por mim tenho desafiado o tempo. E o faço me refugiando nas velhas lembranças, nos dias mais antigos do passado. Esta é minha forma de revolução, minha resposta à ordem imposta de esquecer: olhar sempre para trás e ver ainda a velha casa dos meus idílios, a roda de amigos cantando canções saudosas que Alberto extraía do seu violão sentimental; sentir o hálito fresco das tardes serenas sob a sombra da “castanhola”; me embrenhar por mundos surreais e aventuras incomuns nos livros que sempre me rodearam; viver as madrugadas regadas a café e waffer, ou adormecer ouvindo Emilio Pericolli cantar Al dilá do meu radinho amarelo...

Quanto ao guri, o tempo tem vencido, pois já não é possível revisitá-lo. O que posso fazer é contemplar dia após dia a morte derradeira duma época quando não tinha medo da passagem do tempo. E pensar como era bom esperar um novo dia.

Livros que não falam de saudade




Eles estavam por toda a parte. Espalhados pelo chão numa desordem desvairada. Entre eles estava eu, mas muito além daquela realidade. Às tardes ficava assim, horas e horas ao sabor das páginas dos muitos livros que me levavam por reinos distantes, aventuras ímpares e conspirações mortais. Cada livro o qual devorei, ao sabor da brisa morna que levava para longe o calor e a saudade de um tempo que não volta mais...
Mas nem sempre eu ficava só nessa empreitada por mundos fantásticos. Logo Alberto (na época um leitor em potencial) se unia a mim e ambos nos perdíamos nas páginas saudosas do Quase Memória, de Cony, ou me divertia com as trapalhadas de D'artagnam em Os Três Mosqueteiros.
Muitos anos depois, passando aqueles dias e a velha casa dos meus idílios, uma súbita consternação banha os meus olhos cansados das tantas páginas que li e reli. Uma saudade que vai além, eu sei. Saudade de um tempo onde podíamos divagar sobre os mistérios da vida, eu e meu companheiro Alberto, então aspirante a sábio do interior. Tempo onde a vida não se resumia somente em efemeridades como a TV, que une pessoas e ao mesmo tempo as torna estranhas. Tempo onde era muito bom mesmo ficar à roda de amigos, conversando sobre tudo que vinha à baila, e apreciando uma boa e fumegante xícara de café forte. Tempo onde rimos à-toa ou choramos pelos amores perdidos ou negados...
As páginas que nos envolveram nas tardes morenas do nosso sertão só não nos ensinou a conviver com a saudade, essa que agora invade minhas lembranças eternas...

Muito além das ondas do rádio





Bastava chegar a noite e tudo ficava mais só. As sombras se alastravam pelos cantos mal iluminados da casa; um silêncio meio angustiante volatizava-se da casa e de mim também. Talvez, se Alberto aparecesse com seu violão, poderíamos nos sentar à calçada, fazermos uma session acoustic, e depois debatermos sobre os grandes dilemas da vida, algo bem típico do meu amigo aspirante a sábio do interior...
Mas a noite e a música terminariam do mesmo jeito. A casa ficaria silenciosa com seu único e solitário morador. E quando me decidia a evitar o papel e caneta, o jeito era buscar outro consolo: meu radinho amarelo.
O radinho de pilhas amarelo assim como o espelhinho do banheiro, que enchia de sonoridade as noites na velha casa dos meus idílios. Era difícil sintonizar perfeitamente a estação, mas mesmo com um ruidozinho chato era este rádio que tornava menos vazias as minhas noites. Ficava com o ouvido colado a ele, de onde alguém falava de amor e das coisas do coração. Com certeza era um desses programas para pessoas sozinhas e vazias, como eu.
Mas eu gostava mesmo era das canções, velhas melodias que lembravam amores perdidos e exaltavam espirituosas demonstrações de carinho e afeto. Uma dessas canções era Al dilá. Era uma letra italiana onde o autor falava que seu sentimento ia além do mar, das estrelas e do céu, um amor tão grande quanto o firmamento... Punha-me, então, a sonhar com um amor assim tão grande, que fosse maior que a minha solidão e incompletude.
Um dia o radinho não funcionou mais. Inspecionei para ver se era pilha. Não, não era. Meu radinho pifara, mas eu percebera aos poucos que esses momentos só potencializavam ainda mais o desejo do ser amado. Era algo que estava além das ondas do rádio, como na canção de Emilio Pericolli. Al dilá. Muito além. Mas sem meu radinho as noites voltaram a ser como antes, frias, vazias e sem graça.

O disco perdido





Um bom tempo já faz que não o encontro. Revirando as coisas do passado, procurei-o sem, contudo, encontrá-lo. Nunca mais pude ouvir aquele disco que tanto me disse e tem ainda a me dizer...
Mas, seria mesmo preciso tocar cada canção sua, fragmentos de uma história que foi minha também, para poder mergulhar nos tempos antigos de uma história que não é mais? Bem, sei que não...
Porque tudo ainda está lá, as luzes, as lembranças, uma tarde de verão perdida, uma possível recordação tanto tempo depois... Ouso passar por caminhos que não levam a lugar algum, senão ao passado que não pode ser banido. Como um delinqüente, ouso transpor as barreiras de um momento que não é mais meu, de uma vida que não posso mais viver. Sou forasteiro de uma história que ajudei a construir e, portanto, conheço tão bem...
Ela está lá ainda, posso ver-lhe as feições, seu corpo sendo embalado pelas músicas daquele disco que desafia meu coração e o desejo de esquecer. Aquela noite ainda é fria, mas um frio estranho, diferente do frio da estação onde tudo e nada acabaram. A pequena lâmpada balançava à suave brisa noturna e antiga do passado. Estávamos eu e ela um frente ao outro. Os fachos de luz da minha pequena lâmpada encobriam-nos com uma auréola amarela e sôfrega, como a um véu beatificando um amor que nunca nasceu. Não havia mais ninguém, apenas nós e uma palavra que jamais fora dita.
Aquela seria a noite dos sonhos para aqueles dois que se amaram sem se ter. A noite ficou mais fria, esfriando também minha incerta coragem. Apenas alguns segundos de silêncio foram necessários para dar fim a um momento que prematuramente se transformou no fantasma que carrego no peito.
Despertando então das lembranças, percebo que é desnecessário procurar o repertório das minhas antigas lembranças. Ele é apenas parte do que foi vivido naquela noite já distante no passado. E é como se de repente eu pudesse ainda ouvi-lo, sem contudo nada ouvir a não ser os embalos do meu coração saudoso...


Em 14/04/2005
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