WJ



Por Deus!, não estou plagiando a idéia do meu amigo Gutor, do blog FLORES MORTAS. Lá ele discorreu sobre um "disco perdido". Na verdade, trata-se do disco It's Cool, de Walter Jackson, uma coletânia de canções tão lúgubres quanto minhas lembranças. Por Deus!, isto não é plágio!

Mas não posso resistir ao desejo de falar sobre os dias musicais que vivíamos na velha casa dos meus idílios. Descobri esse CD perdido no meio de jornais velhos e revistas de números atrasados da banca do seu Pacheco. Confesso que no primeiro instante não me interessou muito, mas diante da minha natural curiosidade por música resolvi levá-lo.
Ainda no ônibus, conferi as faixas, canções desconhecidas para mim, ainda um iniciante da música soul. Então, ouvindo cada música no aparelinho toca-CD que tínhamos a epifania aconteceu. WJ (era assim que carinhosamente o chamávamos, eu e Alberto)na sua voz de barítono nos deixava embevecidos, uma aura de solidão pairava as noites regadas pelo café fumegante que nos aquecia e as páginas de Kafka que devotávamos. Ficávamos assim, mudos, compenetrados por sua sonoridade etérea sentindo o real espasmo de nossas emoções serem amortecidas pela presença latente de nossa dor...
WJ acabou por nos ensinar a olhar a vida através da alma. A desistir de entender nossa ambiciosa vontade de saber tudo, de querer tudo, mas apenas ser... isso, apenas ser aquilo que queremos. WJ era paralítico, mal conseguindo se manter em pé por muito tempo(fazia isso com o auxílio de muletas), mas nem essa aparente deficiência o impediu de ser o que foi: homem devotado por seu sonho de cantar, não por mera especulação financeira. Mas cantar com o que tinha de melhor, sua alma sensível, envolta pela beleza que emergia de seus idílios mais profundos. E, acima de tudo, a perda daquele disco causou um grande hiato nas minhas lembranças.
Acredito que Alberto sinta o mesmo.


CONTINUA...

Efemeridade




Não era necessariamente a falta de alguém que a angustiava. Mas um quê de saudade de quando ele chegava. Sempre dava um jeito de aparecer assim, meio que de repente, sem avisar. Sempre trazia alguma coisa nas mãos, às vezes uma flor escarlate, às vezes um novo poema seu para ela. E sempre com aquele sorriso largo, o rosto barbado e olhos enigmáticos e sedutores.
Sabia que os próximos dias seriam mais que especiais, tão diferentes do marasmo diário que curtia. Não! Todas as manhãs ela seria arrebatada por aqueles braços fortes num abraço de bom dia. E ficaria impressionada pelo café-da-manhã caprichado que ele preparara para a princesa de seu conto de fadas. Era assim que ele sempre se referia a ela: princesa do meu conto de fadas. Ela ria para si, lisonjeada com a maneira como era amada, assim, tão intensamente. Às vezes ficava olhando-o dormindo, o peito largo subindo e descendo sob o lençol perfumado. Aquela atitude meio maternal aumentava o anseio de viver assim para sempre, ao lado do seu querido.
Mas em poucos dias ele teria que partir novamente. Ela não teria braços fortes de bom dia, nem café pronto para o seu despertar. Por isso não se preocuparia em se arrumar, pentear os cabelos castanhos ou sequer pôr uma roupa mais arrumada. Seus dias cairiam num tédio terrível, e seu olhar se perderia até o fim da rua, onde costumava vê-lo aparecer de repente, o andar decidido, seu sorriso como luz irradiando a vasta noite, suas mãos cheias de carinho e promessas...

Mais de mim mesmo





Posso me ver perfeitamente, jovem cheio de sonhos, espírito carregado pela vontade de buscar seus horizontes próprios, suas próprias oportunidades. Jovem amante de todas as noites, de todos os mistérios, ainda que levasse em seu semblante um pouco da arraigada tristeza e solidão que lhe eram próprias de uma vida de quase-escritor.
Jovem emotivo sem, contudo, deixar transparecer sua sensibilidade, preferindo, ao invés, levar sua vida meio que na evasiva, apenas um coadjuvante, primoroso na arte dos reveses que a vida foi-lhe dando. Sincero admirador da noite e suas nuances, olhos ansiosos por um amor que nunca vinha; noites solitárias que passaram ao doce embalo das suas canções preferidas...
Seu sorriso contido por uma pequena falha ainda assim cativou alguns corações, ele mesmo estupefato e incrédulo de que pudesse causar aquela estranheza típica dos que anseiam o beijo do amado, sob o afago das tardes serenas. Sim...
Por longas tardes, na velha casa, espremido entre as idéias geniais dos seus autores preferidos, assim ia cosendo sua parca colcha de pensamentos próprios, talvez até pudessem ser escritos, transformados em matéria, palpável, no papel branco que desafiava sua incerteza na aventura literária que um dia se dispôs. Ainda que fossem outras as tardes que ansiava para sempre viver, uma aqui, outra ali, fria, e que ficara registrada como uma pérola na sua mente.
Garoto indesistível, sempre crente que o seu dia chegaria: não seriam em vão todas aquelas páginas lidas e relidas, tantos anos de conhecimento sendo sorvidos aos bocados naquelas tardes mágicas e transformadoras. E assim nascera sua poesia própria, não uma imagem qualquer, mas o resultado de sua dor própria, de sua necessidade de ser esperado em casa, certamente envolta em profumo di Donna.
Ainda assim, chorou terrivelmente, cansado das feridas causadas pela sua indecisão, pelo receio do desprezo. Preferia, por isso, a vaguidão da noite, o silêncio protetor das páginas que lia e ora escrevia, a contemplação do ser amado, ainda que em sonhos. Mas quando tudo isso acabaria?
O sentido da perdição... embora estivesse com os sentidos todos bem alertas.
Toda essa contemplação causara-me uma emoção diferente, ao olhar o passado, os meus passos, meus tropeços, e, bem no fundo, o sentimento de que ISTO é a vida! Cada passo, cada projeto, envolto de simplicidade, como o vento que sopra rumo ao horizonte distante...
Uma pura satisfação de que a vida estava presente em mim! E não era necessário grandes espetáculos, mas apenas a silenciosa certeza de que tudo isso valia a pena. O descanso tranqüilo sob a sombra das castanholeiras; as gargalhadas frenéticas na roda dos amigos queridos; uma singela canção que nasça numa noite qualquer, sem planejamento; o sorriso da amada, grata pelo simples fato de sentir-se amada; as novas manhãs acompanhadas por um assomo de esperança; uma caminhada rumo a lugar algum, numa manhã nublada e fria; a contemplação de noites vagas e distantes, os pontos luminosos no imenso tapete negro, verdadeiro mapa astral de jornadas estelares e misteriosas...
E resta, acima de tudo, o frescor da saudade que bate à porta...

Identidade






O café está um tanto amargo. Mas duvido que esteja assim mais do que eu mesmo, com minhas dores e desilusões. O horizonte não consegue dissipar a estranha sensação de fim que eu sinto. Um dia e mais nada...
Praticamente todos se foram. Mas uma sombra me persegue com insistente determinação. Novamente o legado do passado procura o acerto de contas deveras definitivo. Mas renuncio a qualquer trato. Seria o mesmo que dizer "não" a mim mesmo, ao tudo e nada que sou. Por isso corri para o banheiro, o espelho amarelo está lá para atestar que tenho razão! A imagem sinistra que vejo parece querer dizer algo, mas sua boca não se move, voz alguma se faz ouvir... Eu...
Se fosse possível renunciaria a tudo isso. Quem sabe uma súbita coragem pudesse dar-me força nessa hora negra. Mas compreendia que era inútil: esta é a prisão que eu escolhi, talvez a pior, de mim mesmo.
Uma densa camada de solidão toma a casa. Seria bom se Alberto pudesse vir, quem sabe tocar algumas de suas músicas, talvez mesmo aquela que tem a nossa cara. Isso! Seria bom mesmo, um pouco de vinho barato, conversa tola e algumas páginas de Kafka...

A xícara está inerte, esquecida sobre a mesa; o café já esfriou. Melhor botar um pouco mais. Preciso me aquecer. Precisar lembrar antes que eu me perca de mim mesmo, do meu passado.

Lares que se foram





A noite lá fora está calma e serena. Somente dentro de mim jaz um turbilhão de emoções que me conduzem de regresso ao que fui antes. Algo me atrai à velha casa, a dos meus idílios. Uma súbita saudade desponta, subindo pela garganta e inundando minha solidão. As paredes nuas, sem adereços; o cheiro da nova manhã escorrendo pela janela; o café com waffer sorvido todas as noites na roda de amigos; as canções que construiram nossa identidade; as noites chuvosas sob a luz da vela luciluzente, onde, ao redor, eram contadas histórias de outros tempos; os amores que vieram e partiram como uma estação...
Tudo se foi, aquele tempo ruiu, desprendeu-se da realidade que teimo em reviver. E essa teimosia se deve ao legado que aquela casa deixou entranhado em mim. Legado de dor, saudade e consternação.
Outros lares também foram o meu passado. Mas eu não sentia saudade. Apenas receio de ser esquecido. Por isso ficava à janela, espreitando o dia se findando e a noite começando a nascer...
E então me punha a contemplar a noite, vasta e pontilhada de luz. E na minha imaginação-de-menino especulava qual seria o tamanho do céu na sua imensidão preta e infinita. E naquele instante podia ouvir os conselhos preocupados e supersticiosos da mãe admoestando o guri para que não chamasse o céu de preto, mas "escuro"...
Assim o guri se tornou um sonhador. Dentro de si nascia um mundo novo, uma nova perspectiva, uma forma diferente de viver a realidade. Dali nasceria a obsessão pela palavra ideal, que pudesse descrever este mundo. Mas ele precisaria de uma ponte, um caminho que o levasse a este lugar mágico onde se completaria. O menino sonhador...
De alguma forma os sonhos foram destruídos, esmigalhados e então todos partiram. Aconteceu o que sempre temera: esqueceram-se de buscá-lo. E se viu só.
Nunca mais construiu suas casinhas de areia molhada. A pipa que coloria suas tardes ficou esquecida num canto, talvez rasgada. A janela por onde via a vida e as pessoas passarem se tornou motivo de consternação: noites vazias e geladas seriam contempladas por muitas outras janelas da vida. E então veio a casa.
Talvez uma centelha daquele mundo tenha sobrado. Era possível sentir o cheiro latente da manhã renovada. Logo enchida por sons conhecidos e amigos, mas afinal...

A casa acabou se perdendo também. Como o guri. Como tudo. Como eu.

Paralelos distantes






Tem chovido muito nesses dias. Guarda-chuvas sobem e descem as ruas enlameadas numa profusão de estampas e tamanhos. E então penso em como atribuí ao inverno a dor e a perda; em como nasceu o meu inverno, que é só dor e saudade.
Passos apressados desviam-se das poças escuras, todos têm pressa de chegar, mas eu não. Satisfaço-me assim mesmo, parado, contemplando a noite molhada, os pingos frios da chuva que banham minha solidão. Inverno assim me trouxe a certeza da perda, e nunca mais...
Poderia desconfiar que toda essa dor é mais antiga lembrança do inverno sentimental que purguei. Mas vem de mais longe, eu sei, de tempos meninos, quando o guri alegre e dinâmico teve sua infância destruída pela partida iminente. Riso e alegria transformados em dor, choro e revolta.
Concentro meus pensamentos naquele guri. Para ele os dias eram como eternos momentos de diversão; passava as horas depois da escola construindo casinhas de areia molhada, trepando em mangueiras ou soltando pipas pelo céu em tardes por elas coloridas. Na infância percebia os sonhos distantes dividindo o céu e as nuvens. Hoje as cores estão à altura dos olhos, borradas pelo tom desbotado dos guarda-chuvas...
Quanto tempo se passara desde aqueles dias coloridos e felizes? Quando, em verdade sua realidade se tornara cinza e fria como a chuva que agora cai?...
Esses pensamentos trazem ao ínterim uma vontade de chorar. Como seria chorar debaixo de chuva? Faria alguma diferença? A alma sente as cores vivas e vibrantes do passado menino; mas os olhos, esses só enxergam a água escura das poças que ficam maiores e ameaçam tragar os sapatos encharcados...

Imensidão da noite chuvosa






Infidáveis caminhos apareceram logo adiante. O carro ia rápido e me levava para qualquer lugar. Mas esta noite chuvosa não era para carros ou rapidez: era para ser curtida, sentida ao máximo extremo. Por isso desci, era melhor caminhar, sentir o ar pesado e frio entrar em minhas entranhas.
Não tinha destino certo, qualquer lugar era melhor que a casa vazia que me esperava. A chuva espessa molhou rapidamente os meus pés, logo estava com os sapatos encharcados, mas eu nada sentia. Só a solidão da noite absorvia minha atenção agora.
Então me pus a pensar na imensidão do mistério que me rodeava. O que era eu? Quem eu era? Por que o passado ficou e eu não? E esta noite, meu Deus, por que me cobra um legado que nem me pertence? A verdade é que não quero nada disso. Abri mão há muito tempo de tudo o que sou, de todos que me eram, do sempre que serei. A vidraça ao meu lado reflete minha imagem. Como me tornei um homem sombrio? Na verdade sou mais sombrio que minha própria sombra, um espectro vagando sofregamente pelas ruas vazias e enlamaçadas.
A imensidão me dá tempo para olhar em volta, contemplar tão magnífica existência, e me lamentar por tamanha pequenez que é minha própria vida. Há infindáveis caminhos, então por onde seguir? Há tantos muros, não existiriam ali melhores caminhos a seguir?.
O ar fica mais pesado. A calma é recobrada. Meus passos ficam mais lentos, indecisos. Não será melhor voltar pra casa? Talvez se voltar a pé, assim posso me embrenhar mais ainda na embriaguez onírica de meus pensamentos. Decido voltar. Já não é possível estar desgarrado do lar. Um dia todos têm que voltar. Até mesmo os fantasmas. Quem sabe a velha casa, todos meus amigos, a bebida, a música, os debates sobre o nada, tudo isso volte também? Eu não sei. Há muito deixei de saber. E de mim? Será que um dia soube algo sobre mim mesmo? Hum, não sei. Ou será que sei e não quero admitir? Ou tenho medo de admitir?
Muros imensos rodeiam a rua. Casas se escondem em meio às barreiras de cimento e tijolos. Vidas se desvinculam das outras, é cada um por si. E então penso no tamanho do muro que tenho construído ao meu redor. Verdadeira fortaleza de dores e angústias, é lá onde me refugio, me renego, me castigo. E a imensidão da noite chuvosa, noite materna, noite sublime, fecundo terreno onde renascem as lembranças mais ternas e queridas...

Confiteor I






Escrever nem sempre é a coisa mais fácil do mundo. Principalmente para pretenciosos quase-escritores como eu. Quando se desafia o mundo da idéia, da palavra e do sentimento, unido a tudo isso a fim de perpetuar um momento, uma lembrança ou um caos pessoal, às vezes atingimos objetivos até então considerados inexistentes por nós. Às vezes a palavra torna-se vilã, ao invés de encantar, de mostrar o mundo como o enxergamos.
Todo escritor é um contador nato de histórias e estórias. Não quero dizer com isso que quem escreve é mentiroso, enganador! Não! Acontece que muitas vezes é necessário alguns exageros - se é que posso defini-los assim! - a fim de dar um "tchan" a mais à narrativa, o que só torna o texto mais gostoso de se ler, fica mais divertido se embrenhar pela criação do escritor.
Eu me considero um pretensioso quase-escritor, contador de quase-histórias. O passado antigo serve-me de combustível para meus escritos amadores. Mas não estou tão interessado em sucesso, aplausos, fama, dinheiro. Me contentaria muito mais com um mero exemplar de algo escrito por mim, na minha estante. Isso com certeza me daria uma idéia de posteridade, de que fiz algo que vai ficar para outras gerações, ao menos isso. Como falhei nessa tentativa, me valho dos recursos do blog para expor idéias, sentimentos, quase-histórias e outras tentativas literárias, ainda que amadoras e pueris. Mas isso é importante para mim, pois é parte de mim, uma forma de pôr para fora tudo que sempre me sufocou e fez doer, e que hoje, graças a um novo estilo de vida, não tem peso nas minhas emoções.
Sim, é verdade, uma parte de mim está presente nestas linhas mal traçadas. Uma parte que foi realidade um dia, mas, como o próprio passado, foi sepultado com o passar dos tempos. Só restaram lembranças, que também vão se tornando menos nítidas, amarelecidas, como uma velha fotografia borrada. O que faço apenas é tentar - e sei que isso é algo impossível - mantê-las um tanto acesas.
De todas só uma lembrança me dói nesta vida que me acolheu: a do menino que um dia fui, guri inteligente, de uma sagacidade vivaz, feliz com sua infância renovada por cada manhã orvalhada que o acalentava. Este guri até então feliz, que teve as brincadeiras e sorrisos roubados pela dor da perda do lar, pelo profundo vazio a que foi condenado, pelos sonhos, todos banidos, dando lugar a uma sombria perspectiva de vida. A muitas custas esse guri tentou ainda emergir de dentro de mim, parecia que a qualquer momento o regurgitaria pela garganta afora, mas ele se reteve, se aquietou no poço de escuridão. E nunca mais voltou...

Música e amor I



Sintonizando diferentes estações, o rádio do carro traz de volta a mim uma canção que há muito não ouvia. E logo aquela canção conhecida enche de enlevo os meus ouvidos, bela canção de meus dias meninos, e de profunda nostalgia o coração, por um tempo que não volta mais. Fiz menção de mudar de estação de rádio, mas desisti: não adiantaria tentar fugir daquela lembrança evocada...
A música tem o poder de transfigurar a realidade de agora numa lembrança nevoada, embaçada, e isso me causa dor e consternação. Por isso me permito o regresso a dias outros, bem distantes, bem antigos, lá para trás, quando uma bela garota foi capaz de despertar naquele jovem que um dia fui, o amor.
Ivone, para mim era a garota mais linda do mundo (ainda que minha visão de mundo fosse bem limitada!). Com seus cabelos ruivos e soltos, seus olhos grandes cor de amêndoa e seu cheiro de menina-mulher, ela foi o alvo de minhas pretenções amorosas. Sentava-se bem ao meu lado na sala de aula do também saudoso Colégio Estefânia Conrado, berço reverberante de minha formação escolar, e onde eu ficava aulas inteiras fitando-a, a seu sorriso fácil, a sua meiguice contagiante.
As longas horas depois da escola eram suportadas pela expectativa de vê-la no dia seguinte, e eu sentia um verdadeiro êxtase ao simples mencionar de seu nome. Nas muitas noites reclusas que passei, me sentava no escuro noturno, o rádinho de pilhas, ouvindo aquela canção que marcou aquele momento e aquele amor: AL DILÁ, um bolero italiano que falava do amor que é maior que o mar, as estrelas e tudo o mais. E era exatamente como eu amara Ivone: acima de tudo o que tinha e era naquele instante único. Sim, desde o primeiro instante já amava a Ivone.
Tanto que as horas de aula não mais eram suficientes para suprir minha necessidade de tê-la perto de mim. Então sempre arrumava subterfúgios para encontrá-la depois da escola: dava um jeito de emprestar-lhe algo ou pedir emprestado; assim, eu poderia devolver-lhe pessoalmente, indo até sua casa e assim matar minha sede de um instante a mais junto a minha amada.
Logo essas estratégias não bastariam também. E aí começou meu verdadeiro suplício: falar-lhe de meu sentimento, de meu amor...
Pus em prática meus tenros dotes quase-poéticos. Vários foram os bilhetes de amor que escrevi, cerrado no banheiro do colégio. Eles falavam do meu sentimento, da possibilidade de ficarmos juntos, enfim, era um pedido de namoro. Jamais qualquer deles chegou às suas mãos.
O tempo passou, o fim do ano letivo se encerrava, aumentando o meu desespero de não mais vê-la e estar próximo dela. Um grande dilema se apoderara de mim: vencer o medo de ser rejeitado e dizer que a amava ou calar-me para sempre.

* * *

Um dia tive que partir. Ela também partiu, para o coração do Planato Central, soube depois. Eu me entranhei na Bahia, até hoje. E o meu silêncio, a escolha, foi quebrado por esta canção que marcou aquele amor improvável do passado, que trouxe neste agora, além de saudade e consternação, o arrependimento de não ter ao menos tentado.

De como o amor transcende até o fim




É incrível como AMOR está em tudo e em todos. Se alguém discordar disso basta olhar em volta, para a natureza, onde coisas assombrosas se derramam diante de olhos atentos e extasiados. Quem nunca se maravilhou com um pôr-do-sol perfeito, com a poesia de uma flor bela e solitária, com o úmido encanto de uma cachoeira, calma e convidativa para um banho? Ou mesmo nas coisas bem mais simples e comuns, mas nem por isso menos sublimes, como uma tarde de ócio, um dia chuvoso em casa com quem se gosta ou ainda a melodia do canto suave de um pássaro? Em coisas como essas as pessoas costumam associar o AMOR, fruto do coração compassivo e benévolo de Deus. Então, tudo na Terra seria um presente de Deus aos seus filhos mortais, prova indelével de seu imenso AMOR por nós...

Posso dizer também com plena certeza que há AMOR em todos, indistintamente. Até mesmo no mais frio e calculista genocida. Como? Isso mesmo! Até seres privados de qualquer sentimento de piedade e compaixão por seu semelhante amam sua causa, ainda que esta forma de amor seja mais doentia do que benfazeja. Mesmo sendo algo insano e ao mesmo tempo interessante, há que se concordar com a forma desprendida como se entregam aos seus ideais nefastos, ceifando suas próprias vidas - e a de muitos outros - por um deus que nem mesmo sabem quem é ou o que quer. Mas vá lá...

Terminada esta pequena explanação sobre o AMOR, quero também falar um pouco desse sentimento capaz de transcender até mesmo o fim da existência dos homens. E quero fazê-lo citando três pequenas histórias de AMOR, apresentadas nas telas de cinemas. Trata-se de como o AMOR é capaz de transcender a barreira de nossa efêmera vida, e se perpetuar na lembrança daqueles que ficam...

Irei citá-los na ordem em que eu os assisti, de orelha. Por isso vou começar com "Love Story", uma história de amor escrita por Eric Segal e dirigida por Arthur Hiller. Trata-se da história de um jovem (e muito rico!) estudante de Direito que conhece e se apaixona por uma estudante de música. Eles então decidem se casar, mas os pais de Oliver IV se negam a aceitar este enlace porque Jennifer é de família humilde. Logo o pai de Oliver IV o deserda e eles têm de se virar para sobreviver. Depois de muitas reviravoltas em que o jovem casal passa por dificuldades financeiras, OLiver IV consegue emprego num dos mais respeitados escritórios de advocacia e então sua situação melhora drasticamente. Felizes, decidem ter um filho, mas, depois de várias tentativas frustradas, decidem procurar um médico especialista em fertilização. E então Jennifer descobre que está com leucemia e não tem muito tempo...
O que faz desse pequeno excerto tragicômico é como a vida pode, às vezes, ser tão desesperadora quanto sublime. Oliver e Jennifer têm tudo para serem muito felizes, mas a doença dela causa um enorme desespero na vida daquele casal que tanto se amava. E então eles buscam viver cada minuto juntos, numa tentativa desesperadora de se manterem unidos, de perpetuarem seu sentimento, de extraírem do outro o motivo de sua existência. Mas um dia Jennifer parte, e então Oliver tem de aprender a viver sem sua amada, ou, pelo menos, tentar viver das lembranças do AMOR que os uniu e os fez melhores um para o outro.

O outro filme, "Antes que termine o dia", do diretor Gil Junger, traz a história de Ian e Samantha, ele, um jovem executivo em ascenção numa empresa de pesquisa genética, ela, professora de música para crianças e integrante de uma orquestra onde está prestes a se formar. O drama deste casal começa quando Sam percebe que Ian não está muito interessado em demonstrar seu sentimento por ela preferindo investir em sua carreira. Ao contrário de Sam, que faz tudo para agradar ao namorado, de quem gosta muito. E essa aparente dificuldade entre os dois se acentua quando Ian parece não ligar para as coisas que Sam gosta e estima, como sua audição de formatura, o carinho demonstrado por seus alunos de música ou mesmo pelo amor que Sam devota a ele. Eles acabam rompendo o namoro, Sam sai apressada do restaurante onde estão e pega o primeiro táxi que passa. Logo em seguida a tragédia ocorre, quando o táxi em que Sam se encontra é atingido por um carro desgovernado. Ian corre até o local, desesperado. Samantha é levada para o hospital, mas não resiste...
Ian não consegue entender como aquilo pôde acontecer, e então passa a pior noite de sua vida: o último dia de vida de Samantha, a mulher de sua vida. Mas algo inesperado e inimaginável acontece no dia seguinte: Ian acorda e dá de cara com Samantha vivinha da silva! No decorrer daquele dia ele percebe que tudo está se repetindo como o dia anterior. Então ele compreende que eles ganharam mais um dia, igual ao anterior, para que ele pudesse consertar e fazer tudo diferente: ele tem uma nova chance de mostrar a totalidade de seu amor por Samantha, que está além da morte...

Por último, quero citar - acho que o melhor de todos, para mim, é claro! - o filme "A walk to remenber", algo como "Um AMOR pra recordar", do diretor Adam Shankman, que conta a história de Landom Carter, um jovem causador de problemas e popular na escola. Landom aparentemente tem uma vida perfeita, legal, cheia de "aventuras", onde se envolve em confusões e brigas, além de ser desejado pelas garotas de sua escola por ser muito popular. Mas um infortúnio o faz se aproximar de Jamie, garota recatada, politicamente correta, filha do pastor da cidade e totalmente oposta ao nosso herói. A peça de teatro da escola os aproxima ainda mais e Landom começa a perceber que tem de mudar seu jeito de ser, buscar outros interesses, além de tentar conquistar aquela garota tão diferente das muitas outras que ele já teve. Então eles se apaixonam e decidem ficar juntos, fato que chamou a atenção dos antigos amigos de Landom e companheiros de arruaças. Tudo ia bem até Jamie revelar a Landom que tem leucemia - uma coincidência com "Love Story"? - e que não reage mais ao tratamento, o que lhe dá pouco tempo de vida. Landom obviamente se desespera e tenta ajudar sua amada, pedindo, inclusive, ajuda ao seu pai, com quem há muito não se dá bem. Essa trama toma alguns reveses até culminar com o casamento dos dois, seguido pela partida inesperada de Jamie. Então Landom volta a Beaufort, quatro anos depois, onde revive cada lugar onde esteve com o AMOR da sua vida, amor que foi capaz de salvá-lo de uma vida de desordem e perdição. Jamie salvara a vida de Landom, mas este fora o milagre da vida dela...

Essas são histórias belíssimas de como o AMOR é capaz de mudar caráter, atitudes, transformar fraqueza em força, caos em esperança, dor em alegria. Mas o que as tornam mais belas é o fato de parecerem tanto com a vida de cá, fora da tela: a vida real, a nossa vida. Há tantas pessoas que têm ou tiveram um AMOR que as marcou, fez delas melhores pessoas e trouxe mais calor e vida à sua existência. São histórias que contam a história de pessoas como nós, comuns, porém, muitas vezes marcadas por algum infortúnio que nos tira a presença do ser amado, como acontece com essas três novelas que retratam a vida real. Mas será mesmo que o AMOR tem fim quando um dos amantes e amados parte? A História diz claramente que não, e a arte imita muito bem a vida...

Exaltação




Eu bem que poderia mergulhar nos teus olhos claros e calmos,
e me deixar levar pela correnteza da imensidão e do pasmo;
eu bem poderia me afogar em meio a tanta beleza e consternação,
isso, certo...

Eu bem poderia aquiescer ante teu sorriso fácil e pueril,
quem sabe poderia sonhar madrugadas serenas,
banhadas pelo luar terno e plangente.

Bem poderia, talvez, perder-me por tamanha audácia,
de invadir tão remoto encanto.

Eu bem poderia querer perder-me neste mar tempestuoso
que são tuas incertezas e medos;
bem poderia cativar tão cálido e doce coração,
mas o que fazer então?
se poderia?

como quasepoeta, de versos improváveis
a pequena princesa,
contigo sonhar-te...

Noltalgia




Era noite alta, estávamos Alberto e eu sentados na varanda da casa, as xícaras já vazias. Um silêncio profundo nos envolvia e Alberto, até então imerso em seus pensamentos, disse de repente: "Sabe Pablo, outro dia estava me lembrando da velha casa, era bom aqueles tempos, não?" Sorri, recostando-me ainda mais na poltrona. "Sim, meu caro amigo, tudo foi bom. Aliás, até hoje revivo cada momento vivido na nossa new house". Uma estranha nostalgia vai me invadindo, ao lembrar daqueles tempos antigos do passado. A velha casa se fora levando consigo todos os momentos bons que havíamos vivido ali. Alberto pega o violão, até então esquecido junto à parede, e começa a tocar a velha canção conhecida:

"Olhos fechados, pra te encontrar,
não estou ao teu lado, mas posso sonhar..."

Fecho os olhos, ouço atentamente cada verso, ao tempo que um estranho enlevo enche aquele momento e a nós. "Alberto, meu caro, por que as coisas têm que ter fim um dia? Por que tudo ali na old new house se perdeu assim de repente?" Alberto, fazendo seu cacoete habitual toda vez que iria dizer algo muito sério, disse: "Olha Pablo, não será você que se perdeu e nem se deu conta disso? Um dia todos teriam que partir. Primeiro Jairo, depois eu. Só você insistiu em ficar." Alberto tinha razão. Todos um dia partiram, foram em busca de outros planos, outros sonhos, outros ideais. Parece que somente eu fiquei, como sombra do passado, preso na velha casa. "Também devo muito àquela casa e ao que foi vivido ali, mas tudo um dia teria que passar, virar passado, entende?", ele me disse. Balancei a cabeça concordando sem prestar muito atenção ao que Alberto dissera, na verdade estava mergulhado, imerso em pensamentos de saudade, as velhas lembranças eram alvo da minha atenção agora. "Fizemos tanto ali, experimentamos uma liberdade incrível, as músicas que compomos, as noites literárias e baratas, regadas a violão, café e waffer; as mulheres que amamos, tudo não mais será...", disse eu. Alberto se levantou, tocou o meu ombro e disse: "Ah, meu caro e saudoso amigo, sempre disse que você era um refém do passado, do seu passado. Mas tenho que concordar com você que também sinto muito falta daqueles dias memoráveis. Me lembro como Jairo era chato e insistente fazendo-nos treinar Taekwondo com ele. As madrugadas bêbadas ouvindo Walter Jackson e escrevendo nossas bobagens... Sim, meu caro, tudo aquilo foi importante para mim." Sorri. Alberto tinha razão. Tudo foi importante. Para todos nós. Sobretudo para mim, que continuo rememorando cada dia as tardes mornas em que sentava-me à sombra da castanholeira, olhando a rua vazia, como a que esperar. Na verdade eu esperava sim: esperava por um amor que jamais seria meu, esperava que aquela noite fosse perfeita. Mas, enfim tudo se foi. Apenas eu fiquei para suportar o vácuo trazido com o fim de tudo.

Alberto, como eu, estava quieto. Olhávamos para muito além, para o passado. E nós sabíamos perfeitamente porque...

O fim



"Gessiner, você acha que vale a pena o amor?", eu perguntei. Ele me olhou de soslaio com seus olhos negros e profundos, cofiou por alguns intantes o bigode grisalho e disse naquela voz rouca que me fazia lembrar Al Pacino em O Poderoso Chefão: "Pablo, sempre vale a pena amar, por mais que isso nos custe". Na verdade, eu esperara que Gessiner, no alto de seus muitos anos de vida, fosse discorrer romanticamente sobre o amor e suas aventuras amorosas, ao invés da forma direta e sem rodeios como dissera. "Se existe algo que mereça ser cultivado nesta vida isso é o amor", foi o que disse ainda antes que eu mergulhasse nos meus pensamentos.
"Estou me referindo a amar uma mulher, Gessiner", disse explicando-lhe. "Aí é que está!", ele deu de ombros, e então se sentou novamente, os olhos perdidos em algum ponto da noite clara que iluminava seus cabelos ralos e brancos. Naquela altura eu desconfiava que Guessiner nada entendia sobre amar alguém, quanto mais uma mulher. E, além do mais, o que eu queria na verdade era potencializar a dor que rangia no meu peito. Punir-me pelo maior erro que já fizera, me castigar ainda mais pela idiotice que fizera na noite anterior. Estava desolado...

- "Escute, preciso te dizer algo importante", eu dissera.
- "O que foi? Aconteceu algo?", ela disse.
- "Eu não posso ser seu amigo. Na verdade, nunca quis ser seu amigo, por isso não podemos continuar nos falando, preciso me afastar de você..."
- "Mas por que? O que fiz? Eu disse algo que te magoou?", eu podia sentir pelo fone uma ponta de desespero.
- "Não, não é nada disso. Apenas não posso ser amigo da mulher que eu amo..."
- "Pablo, não..."
- "Olha Evelyn,eu sinto muito. Não quis que fosse assim, mas não posso continuar assim desse jeito; estou muito confuso com isso tudo, é demais para mim... me desculpe... eu... me desculpe".
Pude ouvir o som abafado de lágrimas. Evelyn chorava.
- "Por favor, Pablo..." ela hesitou um pouco, "eu sempre disse que não havia nada!", ela disse entre soluços. Alguns segundos e então completou:" Por favor, me deixe em paz! Deixe a minha vida em paz!" No instante seguinte, um clique e o fone ficou mudo. Fiquei segurando o fone mudo por um bom tempo antes de repô-lo no gancho. Uma estranha sensação começou a me invadir, era como se tudo tivesse desabado sobre minha cabeça, meu coração doía e me senti mais vazio do que nunca... Eu estava cheio de...nada.

"Você está se sentindo bem? Está tão calado, estranho", a voz de Guessiner me tirou do meu transe. "Sim, Guessiner, estou bem, apenas um tanto vazio...", disse-lhe levantando-me. "Ah, tudo bem", ele disse sacudindo a cabeça, mesmo sem entender nada do que se passava comigo. Pobre Guessiner, jamais compreenderia o que era sofrer por alguém que jamais o amaria...

Falta




Os meus olhos se perdem na imensidão do céu frio e estrelado. Mas a lembrança do teu abraço me aquece nesta noite em que tudo e nada têm importância. Aperto ainda mais os olhos, tento enxergar estrelas mais distantes, mas tudo o que consigo é ver um punhado de borrões na vastidão do espaço. Que extensão terá este vazio que me ameaça tragar?
No entanto, a noite está agradável. Uma leve brisa engrandece este momento de espanto e contemplação. Dostet longe está, mas não será seu rosto amado o que vejo entre as nuvens brancas que escorregam pela noite mágica? Ou será que de súbito a saudade começa a doer no meu peito?
O certo é que uma densa falta começa a me deprimir. E é irônico que num momento tão sublime falte algo! E então começo a desconfiar que jamais seremos de todo completos; nossa infortúnia existência será para sempre marcada pela falta de algo: algo para amarmos, algo em que nos apoiar, até mesmo algo capaz de nos fazer estúpidos e ridículos.
Numa noite como essa, tudo e nada está evidente. Mas dentro de mim uma falta latente me incomoda: meus olhos procuram, entre as muitas estrelas que me sorriem, a tua face querida. Um grito ameaça escapulir das minhas entranhas. Não é um grito de desespero, nem dor. Mas um grito de falta, da falta que tua presença causa.
Então, o que posso fazer? Talvez no lugar onde estás um céu assim te sorrie também. Talvez, como eu, estejas a contemplar a beleza do mistério da noite sem fim. Talvez no teu ínterim uma profunda falta ecoe de forma intensa também. E a única certeza que existe neste instante único é de que temos um ao outro, ainda que me falte, nesse instante, a tua presença desejada, querida Dostet.

Sonetinho de vazio

Naquela tarde relembrada
no momento em que partias,
a felicidade se acabara
e o amor no meu peito ardia.

Me pus então a chorar,
a prantear tua infinita ausência;
quem sabe um dia tu voltarás
para completar minha existência.

Na poesia me refugiei
a fim de abrandar tamanha dor
que tua ausência me causou.

Porém, restara apenas vazio
enchendo meu coração vadio
e o meu mundo ser cor...

A dor de partir




Sozinho, as lágrimas afloram. São lágrimas tristes, demasiadamente tristes. Mas também lágrimas covardes. Quem dera se eu as pudesse expor à minha amada, que fica...
Para trás ficam os dias cheios de sua presença, Dostet. Rapidamente o carro se afasta da cidade querida e da minha eterna amada. Eu parto para um lugar hostil, onde não terei os seus beijos de bom-dia, nem seus abraços apaixonados, nem seus olhos queridos. Agora, eu parto.
Minha lágrimas teimosas me banham a face. O coração se aperta no peito e parece que jamais. Tantas palavras poderiam ser ditas. Ou, talvez não. Apertei a cara contra o vidro da janela do carro para mais uma vez te ver. Então acenávamos um ao outro, um dia talvez. E em algum ponto eu não te vejo mais; e aí começa o meu suplício, pois a imagem que levo de você, Dostet, é para noites solitárias, e não para partidas. Por isso as lágrimas. Por isso essa dor que levo no peito.
A paisagem passa ligeiro pela janela do carro. Uma imagem feia e borrada. A distância entre nós fica maior, a despeito do teu rosto tão dentro de mim. E o que posso fazer? Chorar...
Mas não te culpo. Não há culpados. Ou será que há? Ou será que sou eu? Sim, talvez. Réu confesso me tornei, e por isso preso fui ao teu coração. Minhas lembranças não são mais minhas, mas nossas; e agora sou parte tua, sou teu, Dostet. Então sou culpado sim! Se hoje sofremos esta separação foi por ter ousado invadir sua vida. Mas de invasor, passei a ser amante e amado, e o teu amor foi tudo para o meu nada! E agora sou, agora o sou. E por isso eu te amo...



18/01/2009
09:37 am
quando parti e deixei quem sempre amei...

A verdade sobre meu amor



Talvez você pense que meus olhos não buscam mais os teus,
talvez eu não venho dizendo mais o quanto amo você,
talvez muitas coisas não sejam mais tão intensas como o dia do nosso encontro,
mas nem por isso meus sonhos perderam a beleza da tua presença.


Talvez de minhas mãos a poesia tem sido escassa,
talvez não temos contemplado o pôr do sol juntos
nem deixado as ondas do mar bater em nossos pés,
porém, não se esqueça que minha mão sempre tem buscado a sua...


E se por acaso eu me perder em meio aos problemas,
Por favor, traga de volta a epifania, o encanto
Que sempre foram a força do nosso amor
Faça chover sobre mim um céu de luzes...


De nada vai adiantar as manhãs,
Pra que me servirá a luz das estrelas
Ou o silêncio da contemplação
Se eu não puder me enternecer ao lado de minha amada?


Talvez nós tenhamos feito planos imperfeitos,
Que por força do acaso fracassaram;
Mas a verdade é que temos o amor em nós
E força maior não há para aqueles que por ele se entregam...


Eu não vou prometer uma vida sem lágrimas
Elas são inevitáveis, até precisas;
Mas com elas te ofereço um sorriso, te dou um presente
Meu coração te dou como a poesia que nunca escrevi.




Quase-escritor...
À sua amada Dostet

Enlevo



Eu quero agora falar, sobretudo, de felicidade. Dizer que a simples menção do teu nome traz uma assombrosa inquietação; que tua falta se constitui em grave falha na minha existência. Quero, sobretudo, falar de uma forma desnatural as coisas da vida e do coração: dessa felicidade estranha que me toma todas as vezes que de longe te vejo; dos fortuitos sonhos que roubam-me a paz nas noites que suspiro teu cheiro; das maneiras diferentes em que me pus a declarar como, enfim, és única para mim.
Quero simplesmente lembrar da tarde incomum que brindou a vida com esse encanto de amor; do latente receio de nos olharmos, como se tivéssemos medo de dizer que há muito perdêramos esta guerra: nos tornamos vítimas dos nossos corações ávidos pelo amor esperado.
Quero tão sublimemente evocar uma das noites áureas que passei acordado, olhando as estrelas do céu que emolduravam toda uma casta de sonhos que ora nascia dentro de mim. Quero nessa hora vivificá-los, um a um. Quero, ainda, quem sabe, constranger-me por cada poesia que nunca pude te ofertar; na verdade faltava-me jeito de materializar em palavras toda a epifania que envolveu meu mundo. Na verdade, tinha os olhos perdidos no horizonte noturno, alheio ao barulho da noite caótica que me cercava.

Tivera eu nesse instante um momento de silêncio, de contemplação pela magia tão latente: estava cheio de enlevo, como se, em algum momento, isso tudo fosse se tornar poesia, viva poesia...

Coisa de criança



Desde cedo o menino descobriu a janela. Era de lá que ele podia fitar a longa rua, à espera de que viessem buscá-lo. Ele mal sabia o que significava esta palavra: espera. Mas sentia bem o medo do abandono, de acabarem esquecendo-o. A janela era a forma que encontrou para abreviar o tempo e ficar menos aflito.
Era dali também que se acostumou a ver a vida passar. Mal nascia o dia, já estava o menino postado ao parapeito da grande janela que enchia a casa de cor, luz e alegria. Dali podia ver as pessoas passarem para lá e para cá; se divertia com os tipos mais esquisitos, como o velho padeiro que passava pela rua todas as tardes, enorme chapéu de palha na cabeça, escanchado numa velha bicicleta onde estava acoplado o grande balaio repleto de pães fresquinhos e perfumados, bradando aquele seu bordão conhecido: "Padeeeiiiro!"
O menino, então corria para o interior da casa, e dava um jeito de pedir à mãe uma moeda e assim comprar um daqueles pães cheirosos que alimentaram suas tardes...

Então, ele voltava ao seu posto de observação. De onde estava podia ver com amplidão a vida que se desenrolava lá embaixo, sem, contudo, se misturar. Na sua cabeça a vida era um caminho desconhecido, perigoso, assombrado por loucas que subiam a rua gritando palavrões impublicáveis e adultos cabisbaixos de olhos cinzentos; também sua timidez o impedia de misturar-se ao convívio social e aos tipos que tanto se acostumara a mirar. Se acostumou a ser só...
Na escola, sentava no fundo da sala, bem no canto, afastado de qualquer contato. Só falava quando era instigado pela professora, que lhe perguntava coisas como a capital de algum estado, quanto era dois mais dois. No mais, fechava-se no seu mundo, que era bem mais divertido, repleto de personagens encantados, como o Nônomum, herói de seus dias de guri.
De volta a casa, era a mesma coisa: sua vida se resumia a fitar a vida pela janela, numa longa espera, que jamais teria fim. Quando crescesse, moraria numa casa com uma janela maior, de onde pudesse ver até o fim do quarteirão, que para ele era o limite de seu mundo.
Um dia, todos foram embora. Mas não se lembraram de buscá-lo. Então o que podia fazer era passar as horas preguiçosas do dia debruçado sobre a janela, aquele mesmo menino, criança inocente que aprendeu a esperar, mesmo por aqueles que o abandonaram e o fizeram ser o que hoje é...

Um afago de solidão




Tudo o que menos quis foi que partisse. Na verdade, há muito eu me acostumara a te contemplar, assim, como um menino absorto pelo novo brinquedo que veio colorir as tardes infantis do passado.
Você partiu numa hora inprópria, me deixou exposto na minha vaga e dura solidão. Eu que tanto me habituara à tua companhia, ao teu cheiro de mulher, à verdade da tua existência...
Por fim, partiste. Meu coração de quase poeta range na dor trazida por tua ausência. Jamais contemplarei de novo as flores a que tanto estimara, o frescor da brisa morna que desvencilhava teus cabelos ou o cuidado com que tratavas os nossos mais ternos sonhos! Desisti de tudo isso, perdido na imensidão dos meus sonhos destruídos...
O que resta então? Resta a firme lembrança da felicidade que encheu os nossos dias; resta o túmido contato de nossos lábios em mais um beijo de amor. Resta, sim, uma certeza, ainda que vaga, de quando fomos um único ser misturado nesses corpos que ora nos dividia... Resta, querida, a hora derradeira, quando de mim tu te apartaste, e então eu vi o vazio se alastrar por toda a minha memória. Resta apenas "cinza, pó, nada".

Amor




Nada se compara à beleza do sentimento que nos une, Amor. Ainda que, como qualquer casal, nós nos decepcionemos algumas vezes, ou fiquemos irritados com nossas manias indeglutíveis, sempre buscaremos um no outro a redenção, a completude que nos reconstrói, o beijo que afaga, o olhar que aquece...
Na minha lembrança perdurará para sempre as não poucas vezes que nos olhamos de uma forma única e meiga, quando nos permitimos ser fracos, verdadeiros, humanos e fizemos questão de que o outro soubesse disso. Nessa busca pelo imponderável, o amor foi o elo principal que nos protegeu das intempéries do medo, da dúvida, da solidão. Foi por ele que fomos salvos, remidos, renascendo um novo homem, e uma nova mulher, seres únicos, ligados pelo mais nobre dos sentimentos.
Talvez você não imagine como eu precisei dos teus braços nesta terra distante e feroz; e aí eu me recordo das tantas noites em que chorei baixinho, quase um sussurro que vinha bem de dentro de mim, do meu coração, que clamava pelo meu amado amor, tão distante... E essa distância teimosa, sádica, que ousou intrometer-se entre nós, causando um hiato na tua presença, que em mim se tornou necessária, indispensável. De longe eu vejo o teu sorriso largo e doce; em meus ouvidos ecoa tua gargalhada fácil, pueril, meiga como só você o é. E então tudo se transforma em saudade e incompletude...
Ah, nada na vida é tão bom quanto tê-la junto a mim. Às vezes, te vendo dormir, eu me ponho a te olhar, tantas vezes estupefato de admiração por alguém tão imensamente linda e tão assombrosamente cálida. Então me propus escrever uma bela poesia, que falasse desse assombro de te amar, de querer ser melhor sempre, para estar à altura da mulher que foi capaz de me ensinar o Amor. Mas a palavra não vinha, sentia dentro de mim um pulsar pululante, mas nada de poesia! Então compreendi que há coisas que não cabem nas meras, incapazes e efêmeras palavras, como o amor, que gera a sublime arte da procura e do encontro, já dissera um dia, Vinicius.
Então, Amor, nessa tarde vazia de ti, só tenho a lembrança a me acalentar...

O paraíso perdido




O menino escolhera aquele lugar acolhedor e tranquilo para ser seu refúgio secreto. Todas as tardes depois da escola, se dirigia até lá, onde podia ficar namorando o céu cheio de nuvens em forma de animais e sonhos. O silêncio intenso aumentava ainda mais a sua atitude contemplativa; ele ficava longas horas absorto na tarde que ia-se definhando. Tanto que começava a sentir saudade das horas lânguidas que mantinham o dia, o sol se tornava uma tênue mancha amarela no horizonte.
O cheiro da água escorrendo num fio sinuoso tomava o lugar, a cálida melodia do toque frio e molhado nas pedras produzia uma paz que envolvia de mistério e poesia aquele pequeno paraíso. O menino estava feliz. Ali se esquecia de qualquer problema, qualquer preocupação dava lugar a um embevecimento profundo, de maneira que ao sair dali, tinha nos olhos o brilho de quem tem dentro de si a felicidade plena.
O menino descobriu a solidão. Descobriu no prazer de estar só um aliado constante e fiel. Contemplava a tarde morna, seus cheiros, sua música, sua poesia, intrínseca em cada planta, em cada flor, em cada pedra úmida... Ele havia descoberto a felicidade.
Ali pôde curtir seus amores fracassados; pôde chorar livremente a dor da perda e da separação. Pôde sentir o consolo da natureza virgem que o acolhia num lamento mudo e plangente. Aquele vazio tinha um tom de melancolia sentimental, que ia tomando forma no coração do pequeno amante solitário. Estar ali era como contemplar a realidade da janela de sua casa. Jamais saía daquele lugar seguro, onde podia ver a vida passar lá fora, sem, contudo, se misturar. Sua verdade se resumia à solidão que ia se construindo ao sabor de saudade e encanto. Sua certeza se transcendia na plenitude de saber o ser deveras eterno. Sua beleza estava na sincera descoberta de emoções fortuitas, que logo vieram a ser substituídas pelo vazio que o acompanharia por toda a vida.
Um dia, aquela janela seria despedaçada. O menino já não seria tão menino assim. Ficaria exposto a uma sucessão de intempéries que marcariam o rosto ao qual se acostumara a ver todas as manhãs, pelo espelhinho amarelo do banheiro. Sem perceber seu paraíso fôra profanado, perdido, daí que, por isso, se perdeu também o menino junto com suas tardes inocentes...

The old house



Não há como não me lembrar da velha casa dos meus idílios. Ela está lá ainda, eu sei, no mesmo lugar, na velha rua das castanheiras. Mas o tempo passou, eu mudei, a própria casa também mudou, o tempo é assim: latente inimigo da memória e da saudade, destrói silenciosamente a lembrança mais querida, mais evocada, mais desejada...
Naquela velha casa eu via chegar pela janela o anúncio da nova manhã, repleta de cheiros, cores, lembranças e, sobretudo, muita saudade. Como um quê, uma parte de meu coração ainda permanece vivo entre aquelas paredes conhecidas, uivos podem ser ouvidos, na verdade gritos finais de uma existência que se foi.
Sobretudo, naquela casa o sonho foi celebrado. Me pergunto quantas madrugadas esperei ansioso pelo novo dia, sabendo eu que ela viria, afinal. Esperava sentado à porta sua chegada que, afinal, nunca aconteceu. Ainda assim assumia meu posto, sentado à sombra da velha castanholeira, olhando o horizonte vazio que se tecia na tarde serena...
Ela nunca mais voltou. Com ela se foi também meu único instante de completude, única fímbria de felicidade que, de maneira inexplicável, se apossou do meu coração quase-amante. Então tudo acabou.
Mas havia ainda a casa, a minha casa querida. Havia, ainda, as noitadas regadas a vinho barato e violão; havia a roda de amigos sentados em círculo, contando pilhérias desgastadas e histórias de amores frustrados. Havia a canção nunca gravada, que contava um pouco de nossa história e de nossa dor. Havia a verdadeira amizade, talvez o tesouro mais valioso que restara, entre os integrantes daquela pequena comunidade. Havia as boas risadas nas noites chuvosas, quando, à luz de velas, íamos desfiando um pouco do nosso passado menino. Havia...
Um dia todos partiram. Era hora de tomar seu rumo próprio. Acho que apenas eu continuo vivendo a velha casa, com seus fantasmas. Talvez eu mesmo tenha me tornado um deles. Esse é o destino de quase-escritores como eu: Heminguey dissera uma vez que se você quisesse se tornar um grande escritor, teria que ter uma vida triste. Bem, o vaticínio hemingueyano não se consumou no meu caso, porque, embora tenha uma vida elegíaca, esse fato não foi capaz de me tornar num escritor bom e respeitado. Me restou escrever textos sentimentais, que falam de saudade, como a da bela casa onde pude ser um pouco eu mesmo.

Homens- ilha




Alguém uma vez disse que o homem é uma ilha. Na época, então na tenra idade, comecei a acreditar que sim, que eu era uma ilha, solitária e distante do continente, não por questões geográficas, mas simplesmente por opção mesmo.
Gostava de me sentir assim, distante no meu "oceano" próprio, livre da opinião terceira, livre para viver minhas mais profundas idiossincrasias...
Também nessa época foi que curti um vazio indissolúvel, e eu me perguntava o porquê de sentir uma insatisfação pelo modus vivendi ao qual escolhi. Todas as noites era assim: eu sozinho na casa ampla, vazia, cheia de sombras, eu mesmo uma delas, diluído no meu mar de contradições. Ao longe, uma vaga lembrança de quando eu era parte de um pequeno continente, estava cerceado pela presença do passado nem tão antigo assim, ele ameaça devorar-me, deglutir-me, forçar-me ao retorno doloroso dos dias antigos que não voltam mais...
Despertando deste meu torpor elegíaco, percebi que ainda havia um pequeno istmo que me ligava à alegria, à lembrança boa, ao amor. Percebi, afinal, que não somos ilha alguma, a menos que queiramos nos sentir assim. Mas, um dia toda ilha retorna ao seu continente, todo torpor se esvai, toda realidade se estabelece, e, então nos redescobrimos, como assim comigo se deu.
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