O paraíso perdido




O menino escolhera aquele lugar acolhedor e tranquilo para ser seu refúgio secreto. Todas as tardes depois da escola, se dirigia até lá, onde podia ficar namorando o céu cheio de nuvens em forma de animais e sonhos. O silêncio intenso aumentava ainda mais a sua atitude contemplativa; ele ficava longas horas absorto na tarde que ia-se definhando. Tanto que começava a sentir saudade das horas lânguidas que mantinham o dia, o sol se tornava uma tênue mancha amarela no horizonte.
O cheiro da água escorrendo num fio sinuoso tomava o lugar, a cálida melodia do toque frio e molhado nas pedras produzia uma paz que envolvia de mistério e poesia aquele pequeno paraíso. O menino estava feliz. Ali se esquecia de qualquer problema, qualquer preocupação dava lugar a um embevecimento profundo, de maneira que ao sair dali, tinha nos olhos o brilho de quem tem dentro de si a felicidade plena.
O menino descobriu a solidão. Descobriu no prazer de estar só um aliado constante e fiel. Contemplava a tarde morna, seus cheiros, sua música, sua poesia, intrínseca em cada planta, em cada flor, em cada pedra úmida... Ele havia descoberto a felicidade.
Ali pôde curtir seus amores fracassados; pôde chorar livremente a dor da perda e da separação. Pôde sentir o consolo da natureza virgem que o acolhia num lamento mudo e plangente. Aquele vazio tinha um tom de melancolia sentimental, que ia tomando forma no coração do pequeno amante solitário. Estar ali era como contemplar a realidade da janela de sua casa. Jamais saía daquele lugar seguro, onde podia ver a vida passar lá fora, sem, contudo, se misturar. Sua verdade se resumia à solidão que ia se construindo ao sabor de saudade e encanto. Sua certeza se transcendia na plenitude de saber o ser deveras eterno. Sua beleza estava na sincera descoberta de emoções fortuitas, que logo vieram a ser substituídas pelo vazio que o acompanharia por toda a vida.
Um dia, aquela janela seria despedaçada. O menino já não seria tão menino assim. Ficaria exposto a uma sucessão de intempéries que marcariam o rosto ao qual se acostumara a ver todas as manhãs, pelo espelhinho amarelo do banheiro. Sem perceber seu paraíso fôra profanado, perdido, daí que, por isso, se perdeu também o menino junto com suas tardes inocentes...
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