Paralelos distantes






Tem chovido muito nesses dias. Guarda-chuvas sobem e descem as ruas enlameadas numa profusão de estampas e tamanhos. E então penso em como atribuí ao inverno a dor e a perda; em como nasceu o meu inverno, que é só dor e saudade.
Passos apressados desviam-se das poças escuras, todos têm pressa de chegar, mas eu não. Satisfaço-me assim mesmo, parado, contemplando a noite molhada, os pingos frios da chuva que banham minha solidão. Inverno assim me trouxe a certeza da perda, e nunca mais...
Poderia desconfiar que toda essa dor é mais antiga lembrança do inverno sentimental que purguei. Mas vem de mais longe, eu sei, de tempos meninos, quando o guri alegre e dinâmico teve sua infância destruída pela partida iminente. Riso e alegria transformados em dor, choro e revolta.
Concentro meus pensamentos naquele guri. Para ele os dias eram como eternos momentos de diversão; passava as horas depois da escola construindo casinhas de areia molhada, trepando em mangueiras ou soltando pipas pelo céu em tardes por elas coloridas. Na infância percebia os sonhos distantes dividindo o céu e as nuvens. Hoje as cores estão à altura dos olhos, borradas pelo tom desbotado dos guarda-chuvas...
Quanto tempo se passara desde aqueles dias coloridos e felizes? Quando, em verdade sua realidade se tornara cinza e fria como a chuva que agora cai?...
Esses pensamentos trazem ao ínterim uma vontade de chorar. Como seria chorar debaixo de chuva? Faria alguma diferença? A alma sente as cores vivas e vibrantes do passado menino; mas os olhos, esses só enxergam a água escura das poças que ficam maiores e ameaçam tragar os sapatos encharcados...
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