Coisa de criança



Desde cedo o menino descobriu a janela. Era de lá que ele podia fitar a longa rua, à espera de que viessem buscá-lo. Ele mal sabia o que significava esta palavra: espera. Mas sentia bem o medo do abandono, de acabarem esquecendo-o. A janela era a forma que encontrou para abreviar o tempo e ficar menos aflito.
Era dali também que se acostumou a ver a vida passar. Mal nascia o dia, já estava o menino postado ao parapeito da grande janela que enchia a casa de cor, luz e alegria. Dali podia ver as pessoas passarem para lá e para cá; se divertia com os tipos mais esquisitos, como o velho padeiro que passava pela rua todas as tardes, enorme chapéu de palha na cabeça, escanchado numa velha bicicleta onde estava acoplado o grande balaio repleto de pães fresquinhos e perfumados, bradando aquele seu bordão conhecido: "Padeeeiiiro!"
O menino, então corria para o interior da casa, e dava um jeito de pedir à mãe uma moeda e assim comprar um daqueles pães cheirosos que alimentaram suas tardes...

Então, ele voltava ao seu posto de observação. De onde estava podia ver com amplidão a vida que se desenrolava lá embaixo, sem, contudo, se misturar. Na sua cabeça a vida era um caminho desconhecido, perigoso, assombrado por loucas que subiam a rua gritando palavrões impublicáveis e adultos cabisbaixos de olhos cinzentos; também sua timidez o impedia de misturar-se ao convívio social e aos tipos que tanto se acostumara a mirar. Se acostumou a ser só...
Na escola, sentava no fundo da sala, bem no canto, afastado de qualquer contato. Só falava quando era instigado pela professora, que lhe perguntava coisas como a capital de algum estado, quanto era dois mais dois. No mais, fechava-se no seu mundo, que era bem mais divertido, repleto de personagens encantados, como o Nônomum, herói de seus dias de guri.
De volta a casa, era a mesma coisa: sua vida se resumia a fitar a vida pela janela, numa longa espera, que jamais teria fim. Quando crescesse, moraria numa casa com uma janela maior, de onde pudesse ver até o fim do quarteirão, que para ele era o limite de seu mundo.
Um dia, todos foram embora. Mas não se lembraram de buscá-lo. Então o que podia fazer era passar as horas preguiçosas do dia debruçado sobre a janela, aquele mesmo menino, criança inocente que aprendeu a esperar, mesmo por aqueles que o abandonaram e o fizeram ser o que hoje é...
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