Mais de mim mesmo





Posso me ver perfeitamente, jovem cheio de sonhos, espírito carregado pela vontade de buscar seus horizontes próprios, suas próprias oportunidades. Jovem amante de todas as noites, de todos os mistérios, ainda que levasse em seu semblante um pouco da arraigada tristeza e solidão que lhe eram próprias de uma vida de quase-escritor.
Jovem emotivo sem, contudo, deixar transparecer sua sensibilidade, preferindo, ao invés, levar sua vida meio que na evasiva, apenas um coadjuvante, primoroso na arte dos reveses que a vida foi-lhe dando. Sincero admirador da noite e suas nuances, olhos ansiosos por um amor que nunca vinha; noites solitárias que passaram ao doce embalo das suas canções preferidas...
Seu sorriso contido por uma pequena falha ainda assim cativou alguns corações, ele mesmo estupefato e incrédulo de que pudesse causar aquela estranheza típica dos que anseiam o beijo do amado, sob o afago das tardes serenas. Sim...
Por longas tardes, na velha casa, espremido entre as idéias geniais dos seus autores preferidos, assim ia cosendo sua parca colcha de pensamentos próprios, talvez até pudessem ser escritos, transformados em matéria, palpável, no papel branco que desafiava sua incerteza na aventura literária que um dia se dispôs. Ainda que fossem outras as tardes que ansiava para sempre viver, uma aqui, outra ali, fria, e que ficara registrada como uma pérola na sua mente.
Garoto indesistível, sempre crente que o seu dia chegaria: não seriam em vão todas aquelas páginas lidas e relidas, tantos anos de conhecimento sendo sorvidos aos bocados naquelas tardes mágicas e transformadoras. E assim nascera sua poesia própria, não uma imagem qualquer, mas o resultado de sua dor própria, de sua necessidade de ser esperado em casa, certamente envolta em profumo di Donna.
Ainda assim, chorou terrivelmente, cansado das feridas causadas pela sua indecisão, pelo receio do desprezo. Preferia, por isso, a vaguidão da noite, o silêncio protetor das páginas que lia e ora escrevia, a contemplação do ser amado, ainda que em sonhos. Mas quando tudo isso acabaria?
O sentido da perdição... embora estivesse com os sentidos todos bem alertas.
Toda essa contemplação causara-me uma emoção diferente, ao olhar o passado, os meus passos, meus tropeços, e, bem no fundo, o sentimento de que ISTO é a vida! Cada passo, cada projeto, envolto de simplicidade, como o vento que sopra rumo ao horizonte distante...
Uma pura satisfação de que a vida estava presente em mim! E não era necessário grandes espetáculos, mas apenas a silenciosa certeza de que tudo isso valia a pena. O descanso tranqüilo sob a sombra das castanholeiras; as gargalhadas frenéticas na roda dos amigos queridos; uma singela canção que nasça numa noite qualquer, sem planejamento; o sorriso da amada, grata pelo simples fato de sentir-se amada; as novas manhãs acompanhadas por um assomo de esperança; uma caminhada rumo a lugar algum, numa manhã nublada e fria; a contemplação de noites vagas e distantes, os pontos luminosos no imenso tapete negro, verdadeiro mapa astral de jornadas estelares e misteriosas...
E resta, acima de tudo, o frescor da saudade que bate à porta...
2 Responses
  1. Unknown Says:

    a busca continua e persiste em nossas vidas as lembranças ...doidas muitas vezes nos ajuda a entender que tudo vale a pena desde que aprendemos alguma lição!!!


  2. Meu caro,

    agradeço a força e as palavras. No que eu puder ajudar você, pode contar comigo. Você já tem o essencial, que é a vontade de escrever. O resto é só dedicação e esmero.

    Estamos aí.
    Sabe onde me encontrar.

    Abraço forte.
    Continuemos...


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