Sob a sombra das incertezas




Parece que os teus olhos se perdem num passado próximo. Lembram-se do instante de nós dois, quando vivemos juntos as tardes cinzentas sob a brisa fria daquele inverno antigo. Parece que nem faz tanto tempo assim, e eu podia-te ver sorrindo por algo tolo que eu dissera ou quando sonhávamos em construir o mundo juntos. O nosso mundo.
A mim me parece que não há mais tempo, pois não temos mais os mesmos sonhos, as mesmas quimeras ou sequer pensamos um no outro e, mesmo esses efêmeros instantes, quando de longe, apenas assim, te vejo, é como se o tempo voltasse, retrocedesse, fazendo com que meu coração disparasse um sei-lá-o-que que ainda incomoda. É, eu sei, compreendo esta loucura que me acomete, sombras de incerteza que dissipam toda minha razão, todo meu prazer...
Uma sombra triste invade meu pensar, imagens desconexas pipocando a todo instante, flashes agonizantes torturando minha memória trazem teu olhar lânguido de volta. Eles estão desconcertados, hesitantes, e sem me encarar miram um dia que lá para trás ficou. E sei exatamente o que os teus olhos veem.
Parece que foi ontem. Ainda posso sentir o cheiro de todas as coisas que fizeram parte deste ontem, e é como se me pudesse ver repetindo aos cantos que eu não te amo, quando, na verdade, tudo é engodo. Mas teus olhos não me enxergavam mais. Estavam vazios, perdidos no espaço diante de nós, e apenas pude sentir a dor de cada palavra tua me dizendo que é tarde, tarde demais porque tudo o que eu sentia por você, as muitas noites em que esperei que simplesmente me dissesse “te quero” e nada foi dito mitigaram pouco a pouco todo aquele encanto que nasceu do improvável. E não posso negar; te amar me consumiu nestes dias de inverno, me fez chorar, sem entender como um sentimento assim pôde não ser notado, ignorado, tão à vista que estava, porque você não soube me olhar.
Agora tudo foi posto para fora, todo este afeto chorado na minha solidão, as minhas mãos que continuaram frias sem o toque das tuas, tudo isso ruiu com meus idílios, e me entenda, não quero mais revivificá-los. Me perdoe Pablo, mas não posso mais voltar atrás, ainda que possa ver o que teus olhos me dizem de forma tão óbvia, desse amor que ainda levas em teu peito. Só posso dizer adeus.

Apenas em mim tudo isso ainda é. E parece que nem os teus olhos podem negar isso...

Minha própria canção (para você)



Em todas as vezes que eu estiver triste e solitário por tua ausência,
que eu me lembre do princípio matemático
de que a menor distância entre duas pessoas que se amam
é a velocidade de um pensamento e assim poderei estar contigo sempre e sempre.
Em cada vez que subitamente insurgir de mim a vontade constante de estar contigo de modo exclusivo,
que eu entenda que a vida não é um "mar de rosas"
onde tudo é apenas alegria e perfeição.
Afinal, a vida também é composta de outras áreas: faculdade, discípulas, estar-se só, Deus
e o que temos juntos ainda é suficiente para formar um "oceano de flores perfumadas"...
Em cada vez que eu me aborrecer por achar que você não está me dando tanta atenção
que eu não me esqueça de que não estou adquirindo algum produto que pode ser manipulado e sujeito à minha vontade,
mas que estou compartilhando com a mulher que amo nossas vidas, o que inclui nossas indisposições, silêncios e cansaços.
Se acontecer de entre nós haver discussão ou desentendimento,
que eu não ache que estou sempre certo, mas tenha a humildade de admitir meu erro
e ainda me lembrar que num relacionamento não podem faltar três frases mágicas:
"estou errado", "me perdoe" e "eu te amo".
Se vivo me pressionando ou me condeno se falho com o meu amor,
que eu compreenda os meus próprios deslizes e limitações e tenha em mente sempre o melhor para minha princesa, não medindo esforço para isso.
Das vezes que eu, em momentos de angústia, chorar na frente da minha amada,
que eu não fique encabulado por isso, mas compreenda que não sou de ferro,
e por isso mesmo devo alegrar-me por compartilhar com ela da minha fragilidade
e fazê-lo em seu ombro acolhedor ouvindo a melodia da sua voz ao ouvido.
E quando ela me presentear com mimos
que eu deixe essa mania de conter a felicidade que ela me causa
como se fosse feio ou falta de compostura adulto pular de alegria
como criança quando ganha doce.
E quando tiver minhas crises de chateação
que eu não desconte minha frustração nela, meu bem maior.
Afinal, seu dia-a-dia já é tão cheio
mas mesmo assim é carinho que recebo de suas mãos, enlevo que tenho de sua boca
e amor o que flui dos seus olhos e gestos.
E mesmo num dia estressante
que eu jamais deixe de retribuir quadruplamente suas ternuras e afetos.
Que em cada aniversário, seja natalício, de namoro ou casamento,
eu jamais me esqueça do lema do nosso amor, de "fazermos um ao outro sentir-se a pessoa mais importante do mundo"
revigorando assim o nosso sentimento um pelo outro.
Assim, nunca deixaremos de nos "emocionar", como diria Lya.
Nos meus excessos de exaltação à minha amada
que eu entenda que ela tem o direito de chatear-se
e querer ser, de vez em quando, uma pessoa normal, com defeitos e falhas
e não uma bonequinha de porcelana presa numa redoma, intocável.
E que eu não me decepcione com essa atitude sua, achando que ela não quer mais meu amor.
Quando os dias parecerem tão comuns e cheios de marasmo
que eu possa aguçar meu coração, e entender que não há motivos para mesmice
afinal, ao meu lado está a mulher a quem devo a minha felicidade, sorriso, Deus, a completude da vida, antes impossível.
Que eu jamais resuma meu amor na limitação do que minhas mãos podem tocar, porque meu amor é maior que toda a plenitude.
Que eu possa cativar a cada dia seu coração de menina-mulher
e mesmo não conseguindo ser um "menino-homem", eu possa ter o seu amor na minha vida
assim como tenho o retrato da sua lembrança nos meus sonhos, de onde a tiro
e a aconchego aos meus braços.
E que, por Deus, ela compreenda que não poderei dar a ela tudo o que quero, mas o que tenho dado é tudo o que possuo: o meu coração com tudo o que nele há e que já era dela faz tempo...


15/06/2005

Pensar em você




Pensar em você é ter gostosas lembranças,
é sentir uma sensação arrebatadora
que invade o meu ser de forma nostálgica e
fascinante.

Pensar em você é nutrir um pensamento
que se perpetua a cada dia de forma mais intensa.
Pensar em você é olhar para dentro de mim
e perceber que um pedaço valioso do meu ser "partiu"...

Pensar que este partir é finito,
mesmo tendo a impressão de infinito.
É pensar em desesperança...
Mas aí penso que o laço que nos une está além
muito além do infinito.

E isto me impulsiona, me direciona a sonhar;
e que em breve nos uniremos
e então deixarei de pensar em você:
para então, viver COM você!!!

Assim, nossos pensamentos se fundirão
e se perderão no finito de quem pensa
que o amor foi feito para pensar.
No entanto estaremos envolvidos
não mais em pensamentos.
Mas em concretizações surreias
que só quem realmente ama pensa e... faz!


Por Elânia Alves
em 14/06/2007

Descoberta






Como um homem apaixonado,
que vê na amada seu maior desafio
eu me refaço a cada palavra tua,
Me traduzo diante dos teus enigmas.
Sua presença reluz a saudade amarga;
cada beijo teu é remédio para a longa ausência.
Tua ternura desnuda me alimenta,
teus passos me trazem o caminho,
e então enxergo, sou feliz...



11/04/2008 às 09:13
APM, aula de Adm.

Respostas




São palavras acres, essas que dizes,

é só olhar em volta, pois tudo está aqui.
Ainda que sejam lamentos confusos,
ainda que tudo faça-nos chorar,

a verdade reside em tudo que somos, em tudo que oferto.

Mas teu desejo inseguro,
tua dor que alto clama
isso eu não posso ouvir,
tenho os ouvidos atentos,

mas perdidos em profundo desespero,

porque nada tenho que falar...


Lágrimas escuras vertem-se ao chão frio,
e o grande peso que é posto sobre nossos corações cansados
dilacera a vida que com sangue construímos,

então, chorar, não é?

Não, me entendas mal, como fazes

até já não posso sentir as pontas dos teus dedos

partiremos em seguida? Deixar-me-ás?

Olhe os meus olhos, veja-se neles!

Não partas assim, mas me envolva em si,

faças de mim parte tua, metade devoluta,

corpo que espera, coração que geme

Amor que pretende.

O sentido da existência




Me pergunto muitas vezes o sentido da existência. Pelo menos da minha. Há pessoas que financiam cada dia seu na néscia corrida pelo ouro, de tolo. Há pessoas que simplesmente desistiram de transformar sua realidade. Como zumbis modernos renegaram da sua vida a vontade, o desejo de marcar sua existência (lá vem eu de novo! é que ando lendo Sartre, ultimamente!) com uma história que valha a pena contar para os outros.
Mas, e quanto a mim? Bem, creio que não estou em nenhum dos dois grupos. Talvez no meio-termo. Nem um, nem outro. Apenas no meio. Enquanto assisto muitas pessoas passarem pela vida vendo a vida passar, tento não me acomodar. Por outro lado, não me considero um sujeito pró-ativo, destes que "fazem acontecer". A começar pela literatura. Enquanto muitos grandes escritores marcaram gerações com uma obra piramidal, em meu caso os meus escritos vagabundos nem sequer estão à altura de uma quitinete. Por mais que o hábito quase que diário (nem sei porque) de sentar-me em frente à tela branca do meu pc (ah, a tecnologia!...) vendo o cursor piscar irritadamente, isto não foi capaz de me tornar o escritor que sempre sonhei. Em diversas ocasiões quase conseguia ver a estante abarrotada de volumes escritos por mim, uma obra que marcara gerações, assim como Nietzsche, Dostoiévski ou Garcia Márquez. Mas não. Nem um mísero folhetim, nem mesmo o tão esperado "Pasquim", que Alberto , Jairo e eu sonhamos tanto ver circulando por aí... Me contentei ao recurso quase-limitado do blog. Mas, fugindo das questões literárias ou quase, penso nela agora. Na mulher que tem enchido minha vida de encanto e som. Na jovem morena de cachos marrons que me ensina a cada dia o que é vida. É nela que posso me sentir "o tal", como se eu fosse um novo Kafka, um remanescente da geração de grandes escritores que marcaram minhas leituras. É nesta pequena criatura que tenho meu mais profundo encontro com o sentido do existir. Ao seu lado posso compreender que tudo pode ser simples, que as quimeras que enchem meu peito podem materializar-se no sentimento que me completa e redime. E é com isso que tudo é satisfação e transcendência: ao simples ato de contemplá-la à luz do dia perfeito, sua pele morena reverberando o brilho da mais perfeita poesia, que nenhuma palavra que eu diga ou escreva é capaz em si. Toda vez que você se perguntar o porquê de estar aqui, olhe para o lado. E veja quem está com você. Simple together

A solidão necessária



A água do mar roça de leve os meus pés, mas não ligo. É uma sensação boa, refrescante neste dia quente de setembro. O vento ajuda a compor a melodia da natureza que me envolve e uma paz conhecida começa a volatizar-se e invadir os meus sentidos. É isso o que queria. A solidão boa, a solidão que transforma o silêncio em poesia e a vaguidão em metamorfose. Eis a solidão necessária.
Balanço os meus pés na água fresca, chapinhando e formando pequenas ondas de espumas que contemplo com interesse: rapidamente elas se dissolvem, numa profusão esbranquiçada. Muitas vezes me sentira assim mesmo, sendo dissolvido por minhas aspirações incertas, meus receios desvanecidos, meus projetos inconclusos e amores platônicos...

Mas não quero lembrá-los agora. Apenas sentir este instante de poética magia. É quando a ausência dos outros me faz bem, quando tenho a chance quase que única de ver o que prédios cinzentos e vidas impessoais me impedem. É quando posso me permitir ouvir aquela vozinha, ainda que tímida, vinda lá de dentro, a voz do que eu mesmo sou. Ou que ao menos tento.
Nietzsche, por exemplo, foi um desses raríssimos seres amantes da solidão necessária. Era em seus momentos a sós em caminhadas pelas montanhas que podia refletir sobre a filosofia que acabou influenciando gerações. Era nestes instantes de vaguidão e vagueza que podia ouvir a si próprio, se reafirmar como ser existente (estarei citando, sem saber, Sartre?) e poder absorver um pouco do húmus espiritual que tanto nos falta hoje. E, claro, saciar sua sensibilidade com a bela música e os poucos livros que amava.

Então penso como esta geração é pobre. Não em riquezas materiais, mas nesse ingrediente indispensável para o entendimento do que somos, fomos e seremos. As pessoas hoje em dia não querem mais usufruir uns míseros minutos a sós. A simples menção de estar "desplugado" do celular super-potente, do mp4 abarrotados de gigas de capacidade pode causar vertigem em alguns. Desaprendemos a arte de estar a sós. Nutrimos o medo de nós mesmos, daquela vozinha a que me referi. A juventude, principalmente, é a mais afetada por esta corrida louca e abespinhada pelo... pelo... pelo quê mesmo?

Então, isso. Não dá mais tempo de pensar e olhar para dentro de si mesmo, ouvir os próprios anseios. Ou melhor, dá trabalho, como diriam os nossos mancebos atuais. Esse o saldo da tecnologia que tanto nos deixa assombrados como desnorteados por uma alienação incomum. Talvez seja mesmo o fim de nossa própria essência, fadados que estamos a nos tornarmos zumbis hi-tech.

Uma lufada de vento faz com que uma onda mais ousada me molhe. Agora, sentado na beira da praia, as roupas enxarcadas pela água salgada, algo enche meus pensamentos. Sorrio. Agora, vou ter uma conversa. Comigo mesmo.

Tarde ausente em mim





De repente um abraço. E parece que a vida ficou mais leve, serena. As árvores daquela tarde não eram menos verdes e livres; e eu bem pude entender a música deste passado bom.
Os minutos ameaçavam a paz que nos envolveu, mas eu não estava preocupado, apenas... leve. O cheiro de fim de tarde era mais um ingrediente para o amor que acabava de nascer, e por mais que fosse estranho, por mais que tudo aquilo me deixasse encabulado, por mais que olhos estranhos e curiosos nos fitassem com incômoda insistência, eu me sentia bem, assim, nos seus braços. Ou será nos nossos?
E pensar que esperei uma semana inteira de incerteza, de medo: o receio que te preocupava, a impossibilidade que nos cerceava, a visão imprecisa de futuro, um futuro juntos.

De repente, sem esperar, um abraço. E nossas canções se fundiram numa única melodia. Os muros que dividiam nossos recônditos abrigos começaram a ruir, cada tijolo de indiferença, cada página solitária de nossas vidas, cada muda pergunta que nos fizemos, pifara, desconstruíram-se, foram feitas pó, cinzas lavadas pelo desejo indizível de nos estarmos, nos sermos. Como poesia que subitamente invade o branco papel, assim a tarde de nossa felicidade nos marca e nos redime. E então nos vemos caminhando num rumo único, convergindo para o mesmo horizonte, e parece que o quinhão de minhas mais profundas quimeras se desprendera do meu peito se refazendo no que contemplo agora: você...

Sem esperar, este gesto não avisado, um abraço. Em torno de si, e de mim, estou seguro, o mundo não mais é uma ameaça, e eu não tenho que aceitar as dores que brotam de meus olhos e a falta da velha casa dos meus idílios. Como disse, uma tarde musical, transcendente, pura epifania e cor, a tarde não da sua ausência em mim, mas apenas você e eu, num abraço que eu desejara que jamais acabasse.

Estranha num bar




Penso na mulher sozinha no bar. O copo vazio denunciava que ela bebera vários
drinks. Uma mistura de cigarro e fragância de mulher exalavam de seu corpo. Então tive vontade de me aproximar e quem sabe pagar-lhe uma bebida. Mas me detive. Seus olhos estavam opacos, parecia não ver nada que não a sua própria ruína. Parecia estar ali há muito tempo, como a esperar. Mas quem esperaria por um alguém que nunca viria? Mesmo assim, meio ébria, os cabelos um tanto amarrotados, era bela aquela mulher. O batom borrado nos seus lábios carnudos ainda eram um convite para um tórrido beijo, e começo a querer conhecê-la. A cena de sua bêbada noite solitária mais parecia um quadro de Klimt. Uma imagem surreal que me acompanhou por muitos sonhos depois. E muitos sonhos depois eu evocaria a mulher solitária naquele bar à meia luz... De uma hora para outra ela parece se cansar de esperar por seu amante imaginário, mas logo desiste de ir embora, porque percebo que pede ao barman mais uma dose de uísque. Sua indecisão me aborrece, mas não tenho coragem de abordá-la. Ainda assim ela me atrai, fico enfeitiçado por sua desgrenhada solidão. Solidão esta que tanto parece com a minha...

If you want me




Olha, se você ainda me quer, não precisa chorar;
se pelas esquinas os teus passos ecoam, vazios,
e se você balbucia, no silêncio vago da noite, o meu nome

basta um suspiro, uma lágrima talvez
e eu estarei lá e com beijos a enxugarei.

Se for possível remover toda essa distância entre nós,

se pudermos destruir os tijolos de nossa indiferença
basta você me querer,

ainda que chorando sob a ponte dos meus sonhos.

Se cada vez que erguer os braços ao vento

e sentir o toque de veludo da brisa que me envolve
eu puder sentir o toque amigo de suas mãos isso será possível,
se você me quiser.


Se você me procura pelas ruas desertas,

pelos bares noturnos, no meio de baratas marafonas
eu te digo:
te espero, sempre!

e isso será possível
e valerá a pena
se você ainda me quiser.

Frágil liberdade





Foi num dia azulado que Alberto me aponta uma multidão de bolhas pelo ar daquele dia quente. De forma profusa elas se espalhavam pelo ar numa dança ritimada pelo vento da manhã. Como imenso rebanho subitamente liberto, corriam para todas as direções, uma carreira louca e ao mesmo tempo sem destino certo, até que se evaporassem ante o implacável calor que nos fazia suar.
E como num transe eu pude mergulhar naquele mar ensaboado de bolhas felizes e tão fugazes. Elas como que me sussurravam que a vida estava ali, naquele instante, a passar. No exato momento em que me envolvia por problemas e falsas necessidades (coisas do mundo moderno) a vida sorria lindamente para aqueles que se permitiam contemplá-la. Não era ela a culpada por me sentir assim tão perdido num caldeirão invisível de cobranças e responsabilidades; não era a vida a responsável pelo mal humor que me desperta de manhã ou pelos desacertos de uma existência quase literária. Não! A vida sempre ensinou a liberdade. Ela própria se fez livre, me dando a opção de ser feliz quando eu mesmo me neguei isso. Sempre ensinou a vencer todos os preconceitos, a enxergar o semelhante por trás da máscara que ele colocou, ao sair de casa. E é assim que me sinto agora: como um alguém que desaprendeu a ser livre. E aquelas bolhas de sabão fugazes, fugidias, é que me despertaram para isso. Elas são a prova de quanto nos esquartejamos por conquistas inúteis, o quanto nos torturamos por amores que não nos pertecem. Ainda que sejam frágeis, eu sei que aquelas bolhas de sabão são mais felizes do que eu. De onde estão, podem ver a vida de um ângulo que eu não. E não se trata da altura de suas pretenções ou o quanto podem voar pelo céu. Mas da forma louca, varrida e despreocupada como se entregam ao sabor do vento, naquela manhã quente, quando Alberto me cutucou para que seguíssemos o nosso destino.

Eternal Friends





Folheando as páginas amarelas do meu exemplar d’Os três Mosqueteiros começo a pensar que fomos também (em algum dia do passado) inseparáveis. Três amigos que sonhavam conquistar o mundo.
Muitos anos distantes da velha França de Athos, Porthos e Aramis, Alberto, Jairo e eu construímos também dias de aventuras não menos emocionantes quanto os vividos pelas personagens do meu Dumas carcomido. Ainda que nossas epopeias fossem desprovidas de afiadas adagas e belas donzelas enclausuradas em palácios reais, também tivemos nossos instantes de pura epifania, movidos por vinhos baratos e amores platônicos. Nossos atos mais heroicos se deram não em duelos mortais ou batalhas sanguinárias, mas na coragem de sermos apenas os quase-cantores-escritores que conseguimos ser. E fomos mais felizes assim.
A amizade daqueles três exímios mosqueteiros estava acima dos mais altos valores, um código de ética que poucos eram capazes de compreender. Uma lealdade construída sobre os pilares da união, da camaradagem e do senso de justiça. A amizade que os unia era mais forte que a própria morte.
Mas, ainda que as páginas que tenho nas mãos tentem me levar para os tempos medievais da França do Antigo Regime, é nos meus companheiros de canções e café que penso agora. Penso sim nos dias que dividimos juntos, com o mesmo entusiasmo pela vida e seus mistérios, como os mosqueteiros de Alexandre Dumas. Penso, neste agora saudoso, nos nossos debates inúteis (nós nem sabíamos exatamente o que discutíamos) sobre a vida e suas filosofias, sobre Deus e a incredulidade de Alberto. Penso de forma elegíaca nas canções tristes que Alberto e Jairo (eu sempre fui o desafinado do grupo) extraiam dos seus violões. Eram músicas que tinham a nossa cara, exaltavam o sonho, a transcendência, o libertar-se, o amor oculto que se revela de repente.
Um leve sorriso brota de meus lábios. É a lembrança de Alberto, rindo de qualquer coisa, a sua flauta branca debaixo do braço, me trazendo, esbaforido, um novo conto que escrevera na noite anterior. A determinação e prática fizera-o ser mais do que eu próprio supunha ser: mais que o quase-escritor que acabei me tornando. E eu não sabia que um dia conheceria um escritor de verdade, ainda mais na sua fase inicial...
Por um instante imagino quantos milhares de pessoas deram boas gargalhadas com as trapalhadas de Athos, Porthos e Aramis em Os Três Mosqueteiros. E me atrevo a pensar se nossa vida, a minha e a dos meus dois amigos, Jairo e Alberto, com nossas mancadas próprias e projetos inconclusos, também não daria motivo para rir. Bem, isso eu jamais saberei. Mas ao menos algo ficou como legado de nossa convivência na nossa casa querida, a dos meus idílios. E isso certamente, eu creio, apenas eles entendem o que quero dizer.

Des(engano)




Eu me vou para longe
para longe de mim eu vou
verdadeira aventura sem fim
esse não estar em mim

Total desencontro
caminhos ambivalentes
para longe eu vou
de mim e por mim.

O que me espera?
Quem eu? engano?
Esse não estar em mim
verdadeira aventura enfim.

Uma vez e nada mais




O fim da sua jornada se aproximava. Logo, Pablo teria de partir, então diria adeus a Andreia, a bela garota que dividira sua poltrona numa viagem qualquer. Por isso a olhava com mais interesse ainda, queria ter a certeza de que se lembraria do seu rosto, a maneira como sorria, dos seus olhos marcados por lápis preto.
Soube que ela vinha do Rio de Janeiro, ia visitar os pais no Ceará e não tinha data para retorno. Pablo achara estranho uma viagem assim, sem dia para acabar. Talvez pudesse fazer isso um dia: viajar sem retorno, sem data certa para voltar.
A paisagem corria rápido pelo vidro da janela embaçada pelo ar condicionado, e Pablo aproveitava para contar seu limitado repertório de anedotas, e mesmo assim Andreia ria com sincera gratidão por ter encontrado um companheiro de viagem tão espirituoso. Contou a ele como fora parar no Rio, um amor que não dera certo, ele acabou me decepcionando. Também disse como gostava de ler, das muitas tardes em que ficava deitada na sua rede folheando as páginas de Vidas secas, e discorria sobre a bela arte do mestre Graciliano.
Sentiu o ímpeto de tocar sua mão, mas o receio de assustá-la foi maior, então deteve-se e lhe contou como se metera nesse negócio de escrever, falando dos livros que tanto amava, das noites em que ficava até altas horas, bêbado e dizendo coisas tolas. Contou-lhe ainda sobre seu melhor amigo, Alberto e sua genialidade musical que preenchia tantas noites ao luar e ao café. "Ao café?", ela perguntou, dizendo que não havia nada de romântico nisso. Então eles riam. E era bom...

A noite ia já alta, os dois estavam calados e pensativos. Pablo sabia que logo teria que descer, sua cidade se aproximava. Num assomo de coragem Pablo disse que jamais se esqueceria daqueles momentos que viveram ali, numa viagem qualquer. Andreia sorria, assentindo. Ele pode ver uma sombra passando por seus olhos, uma ponta de tristeza. Seria por ele? Tomou sua mão perfumada (se lembraria daquele perfume?) e beijou-a delicadamente e disse tchau. Antes de descer olhou ainda para trás. Mesmo na penumbra, pode vê-la, os olhos tristes. Uma lágrima?

A última coisa que pensou foi na frase do grande Vinicius, mestre na arte de retratar momentos como o que acabou de viver: "A vida é a arte do encontro, embora haja tantos desencontros pela vida".

Flores mortas em mim




Flores mortas pintam o chão,

um escarlate mortal que tinge a tarde sem fim.

Folhas se perdem com o vento noturnal,

eternizam a passagem do tempo,

e são levadas pelo canto das estrelas brilhantes.

O velho jardim de flores mortas

que beira os quintais, que acolhe os forasteiros,

não traz poesia nas noites sem violão,

não faz de mim poeta ou cantor.

As eiras se perdem por sonhos algures,

mas o jardim tem seu espaço limitado

pelo claustro da solidão,

e então tudo ficou para trás.

Se tenho um jardim? Se ouso pisar-lhes

suas folhas mortas?

E de repente me vejo sangrando,

e suspiro a dor das folhas que caem

puro sangue que escoa, que banha a terra sedenta.

O jardim, de escarlate cor, de dor carmim.

Sonho perdido



não foi esta a vida que sonhei: uma forma de existir desprovida de cor e diálogos. uma maneira de ser, de reencontrar, para depois perder, ainda mais intensa que antes. não foi assim que sonhei.
podia jurar que tudo fora construído para ser perfeito. que não teria tanto caos no meu pensar vago e interrupto. que a chuva não me faria sentir vontade de chorar (e assim fico). acreditaria que é apenas elucubração cada lembrança ruim trazida pelos grossos pingos que violentam o meu telhado. que o cheiro de molhado seria um convite a lavar minha consciência impura e néscia. que, embora distante, meu coração não se perderia, não perderia sua força ao menor sinal da avalanche sorumbática de todas as noites, noites de todos os sons...
esta, deveras, não é a vida que quis. repleta de garrafas vazias, de portaretratos espatifados, de receios grotescos. são caminhos tortuosos como poesia sem métrica, envolvidos em profundos meandros de dúvida e imensa constelação de erros vários. e era para ser? era assim que eu me perderia? que ficaria nauseado pelo ópio do medo, da palavra insegura engasgada como está? quimeras. e quem dera.
deveras! a vida que eu quis, não esta. mas um sonho bom, que me embala quando canso de ser eu mesmo...

Degraus e incerteza




sem pressa. os degraus se sucedem, um a um. o frio da madrugada volatiza-se em névoa esbranquiçada. e penso que poderia me volatizar também, ter minha condição sólida transformada em pura névoa cinzenta de tantos erros e idílios. a cada passo o olhar encimesmado encara a pífia claridade, sons perdidos ecoam na vagueza dos pensamentos e me vejo só.
meus passos vacilantes me levam para cima, de repente uma nova realidade se desfigura, e meus passos cansados e lerdos se confundem com o desejo de ficar. sem pressa...

esta impressão um tanto usual é mesmo necessária. o ar frio que inspiro em puxadas rápidas e limitadas machuca-me os pulmões. então acelero. então chego. em lugar algum?

WJ



Por Deus!, não estou plagiando a idéia do meu amigo Gutor, do blog FLORES MORTAS. Lá ele discorreu sobre um "disco perdido". Na verdade, trata-se do disco It's Cool, de Walter Jackson, uma coletânia de canções tão lúgubres quanto minhas lembranças. Por Deus!, isto não é plágio!

Mas não posso resistir ao desejo de falar sobre os dias musicais que vivíamos na velha casa dos meus idílios. Descobri esse CD perdido no meio de jornais velhos e revistas de números atrasados da banca do seu Pacheco. Confesso que no primeiro instante não me interessou muito, mas diante da minha natural curiosidade por música resolvi levá-lo.
Ainda no ônibus, conferi as faixas, canções desconhecidas para mim, ainda um iniciante da música soul. Então, ouvindo cada música no aparelinho toca-CD que tínhamos a epifania aconteceu. WJ (era assim que carinhosamente o chamávamos, eu e Alberto)na sua voz de barítono nos deixava embevecidos, uma aura de solidão pairava as noites regadas pelo café fumegante que nos aquecia e as páginas de Kafka que devotávamos. Ficávamos assim, mudos, compenetrados por sua sonoridade etérea sentindo o real espasmo de nossas emoções serem amortecidas pela presença latente de nossa dor...
WJ acabou por nos ensinar a olhar a vida através da alma. A desistir de entender nossa ambiciosa vontade de saber tudo, de querer tudo, mas apenas ser... isso, apenas ser aquilo que queremos. WJ era paralítico, mal conseguindo se manter em pé por muito tempo(fazia isso com o auxílio de muletas), mas nem essa aparente deficiência o impediu de ser o que foi: homem devotado por seu sonho de cantar, não por mera especulação financeira. Mas cantar com o que tinha de melhor, sua alma sensível, envolta pela beleza que emergia de seus idílios mais profundos. E, acima de tudo, a perda daquele disco causou um grande hiato nas minhas lembranças.
Acredito que Alberto sinta o mesmo.


CONTINUA...

Efemeridade




Não era necessariamente a falta de alguém que a angustiava. Mas um quê de saudade de quando ele chegava. Sempre dava um jeito de aparecer assim, meio que de repente, sem avisar. Sempre trazia alguma coisa nas mãos, às vezes uma flor escarlate, às vezes um novo poema seu para ela. E sempre com aquele sorriso largo, o rosto barbado e olhos enigmáticos e sedutores.
Sabia que os próximos dias seriam mais que especiais, tão diferentes do marasmo diário que curtia. Não! Todas as manhãs ela seria arrebatada por aqueles braços fortes num abraço de bom dia. E ficaria impressionada pelo café-da-manhã caprichado que ele preparara para a princesa de seu conto de fadas. Era assim que ele sempre se referia a ela: princesa do meu conto de fadas. Ela ria para si, lisonjeada com a maneira como era amada, assim, tão intensamente. Às vezes ficava olhando-o dormindo, o peito largo subindo e descendo sob o lençol perfumado. Aquela atitude meio maternal aumentava o anseio de viver assim para sempre, ao lado do seu querido.
Mas em poucos dias ele teria que partir novamente. Ela não teria braços fortes de bom dia, nem café pronto para o seu despertar. Por isso não se preocuparia em se arrumar, pentear os cabelos castanhos ou sequer pôr uma roupa mais arrumada. Seus dias cairiam num tédio terrível, e seu olhar se perderia até o fim da rua, onde costumava vê-lo aparecer de repente, o andar decidido, seu sorriso como luz irradiando a vasta noite, suas mãos cheias de carinho e promessas...

Mais de mim mesmo





Posso me ver perfeitamente, jovem cheio de sonhos, espírito carregado pela vontade de buscar seus horizontes próprios, suas próprias oportunidades. Jovem amante de todas as noites, de todos os mistérios, ainda que levasse em seu semblante um pouco da arraigada tristeza e solidão que lhe eram próprias de uma vida de quase-escritor.
Jovem emotivo sem, contudo, deixar transparecer sua sensibilidade, preferindo, ao invés, levar sua vida meio que na evasiva, apenas um coadjuvante, primoroso na arte dos reveses que a vida foi-lhe dando. Sincero admirador da noite e suas nuances, olhos ansiosos por um amor que nunca vinha; noites solitárias que passaram ao doce embalo das suas canções preferidas...
Seu sorriso contido por uma pequena falha ainda assim cativou alguns corações, ele mesmo estupefato e incrédulo de que pudesse causar aquela estranheza típica dos que anseiam o beijo do amado, sob o afago das tardes serenas. Sim...
Por longas tardes, na velha casa, espremido entre as idéias geniais dos seus autores preferidos, assim ia cosendo sua parca colcha de pensamentos próprios, talvez até pudessem ser escritos, transformados em matéria, palpável, no papel branco que desafiava sua incerteza na aventura literária que um dia se dispôs. Ainda que fossem outras as tardes que ansiava para sempre viver, uma aqui, outra ali, fria, e que ficara registrada como uma pérola na sua mente.
Garoto indesistível, sempre crente que o seu dia chegaria: não seriam em vão todas aquelas páginas lidas e relidas, tantos anos de conhecimento sendo sorvidos aos bocados naquelas tardes mágicas e transformadoras. E assim nascera sua poesia própria, não uma imagem qualquer, mas o resultado de sua dor própria, de sua necessidade de ser esperado em casa, certamente envolta em profumo di Donna.
Ainda assim, chorou terrivelmente, cansado das feridas causadas pela sua indecisão, pelo receio do desprezo. Preferia, por isso, a vaguidão da noite, o silêncio protetor das páginas que lia e ora escrevia, a contemplação do ser amado, ainda que em sonhos. Mas quando tudo isso acabaria?
O sentido da perdição... embora estivesse com os sentidos todos bem alertas.
Toda essa contemplação causara-me uma emoção diferente, ao olhar o passado, os meus passos, meus tropeços, e, bem no fundo, o sentimento de que ISTO é a vida! Cada passo, cada projeto, envolto de simplicidade, como o vento que sopra rumo ao horizonte distante...
Uma pura satisfação de que a vida estava presente em mim! E não era necessário grandes espetáculos, mas apenas a silenciosa certeza de que tudo isso valia a pena. O descanso tranqüilo sob a sombra das castanholeiras; as gargalhadas frenéticas na roda dos amigos queridos; uma singela canção que nasça numa noite qualquer, sem planejamento; o sorriso da amada, grata pelo simples fato de sentir-se amada; as novas manhãs acompanhadas por um assomo de esperança; uma caminhada rumo a lugar algum, numa manhã nublada e fria; a contemplação de noites vagas e distantes, os pontos luminosos no imenso tapete negro, verdadeiro mapa astral de jornadas estelares e misteriosas...
E resta, acima de tudo, o frescor da saudade que bate à porta...

Identidade






O café está um tanto amargo. Mas duvido que esteja assim mais do que eu mesmo, com minhas dores e desilusões. O horizonte não consegue dissipar a estranha sensação de fim que eu sinto. Um dia e mais nada...
Praticamente todos se foram. Mas uma sombra me persegue com insistente determinação. Novamente o legado do passado procura o acerto de contas deveras definitivo. Mas renuncio a qualquer trato. Seria o mesmo que dizer "não" a mim mesmo, ao tudo e nada que sou. Por isso corri para o banheiro, o espelho amarelo está lá para atestar que tenho razão! A imagem sinistra que vejo parece querer dizer algo, mas sua boca não se move, voz alguma se faz ouvir... Eu...
Se fosse possível renunciaria a tudo isso. Quem sabe uma súbita coragem pudesse dar-me força nessa hora negra. Mas compreendia que era inútil: esta é a prisão que eu escolhi, talvez a pior, de mim mesmo.
Uma densa camada de solidão toma a casa. Seria bom se Alberto pudesse vir, quem sabe tocar algumas de suas músicas, talvez mesmo aquela que tem a nossa cara. Isso! Seria bom mesmo, um pouco de vinho barato, conversa tola e algumas páginas de Kafka...

A xícara está inerte, esquecida sobre a mesa; o café já esfriou. Melhor botar um pouco mais. Preciso me aquecer. Precisar lembrar antes que eu me perca de mim mesmo, do meu passado.

Lares que se foram





A noite lá fora está calma e serena. Somente dentro de mim jaz um turbilhão de emoções que me conduzem de regresso ao que fui antes. Algo me atrai à velha casa, a dos meus idílios. Uma súbita saudade desponta, subindo pela garganta e inundando minha solidão. As paredes nuas, sem adereços; o cheiro da nova manhã escorrendo pela janela; o café com waffer sorvido todas as noites na roda de amigos; as canções que construiram nossa identidade; as noites chuvosas sob a luz da vela luciluzente, onde, ao redor, eram contadas histórias de outros tempos; os amores que vieram e partiram como uma estação...
Tudo se foi, aquele tempo ruiu, desprendeu-se da realidade que teimo em reviver. E essa teimosia se deve ao legado que aquela casa deixou entranhado em mim. Legado de dor, saudade e consternação.
Outros lares também foram o meu passado. Mas eu não sentia saudade. Apenas receio de ser esquecido. Por isso ficava à janela, espreitando o dia se findando e a noite começando a nascer...
E então me punha a contemplar a noite, vasta e pontilhada de luz. E na minha imaginação-de-menino especulava qual seria o tamanho do céu na sua imensidão preta e infinita. E naquele instante podia ouvir os conselhos preocupados e supersticiosos da mãe admoestando o guri para que não chamasse o céu de preto, mas "escuro"...
Assim o guri se tornou um sonhador. Dentro de si nascia um mundo novo, uma nova perspectiva, uma forma diferente de viver a realidade. Dali nasceria a obsessão pela palavra ideal, que pudesse descrever este mundo. Mas ele precisaria de uma ponte, um caminho que o levasse a este lugar mágico onde se completaria. O menino sonhador...
De alguma forma os sonhos foram destruídos, esmigalhados e então todos partiram. Aconteceu o que sempre temera: esqueceram-se de buscá-lo. E se viu só.
Nunca mais construiu suas casinhas de areia molhada. A pipa que coloria suas tardes ficou esquecida num canto, talvez rasgada. A janela por onde via a vida e as pessoas passarem se tornou motivo de consternação: noites vazias e geladas seriam contempladas por muitas outras janelas da vida. E então veio a casa.
Talvez uma centelha daquele mundo tenha sobrado. Era possível sentir o cheiro latente da manhã renovada. Logo enchida por sons conhecidos e amigos, mas afinal...

A casa acabou se perdendo também. Como o guri. Como tudo. Como eu.

Paralelos distantes






Tem chovido muito nesses dias. Guarda-chuvas sobem e descem as ruas enlameadas numa profusão de estampas e tamanhos. E então penso em como atribuí ao inverno a dor e a perda; em como nasceu o meu inverno, que é só dor e saudade.
Passos apressados desviam-se das poças escuras, todos têm pressa de chegar, mas eu não. Satisfaço-me assim mesmo, parado, contemplando a noite molhada, os pingos frios da chuva que banham minha solidão. Inverno assim me trouxe a certeza da perda, e nunca mais...
Poderia desconfiar que toda essa dor é mais antiga lembrança do inverno sentimental que purguei. Mas vem de mais longe, eu sei, de tempos meninos, quando o guri alegre e dinâmico teve sua infância destruída pela partida iminente. Riso e alegria transformados em dor, choro e revolta.
Concentro meus pensamentos naquele guri. Para ele os dias eram como eternos momentos de diversão; passava as horas depois da escola construindo casinhas de areia molhada, trepando em mangueiras ou soltando pipas pelo céu em tardes por elas coloridas. Na infância percebia os sonhos distantes dividindo o céu e as nuvens. Hoje as cores estão à altura dos olhos, borradas pelo tom desbotado dos guarda-chuvas...
Quanto tempo se passara desde aqueles dias coloridos e felizes? Quando, em verdade sua realidade se tornara cinza e fria como a chuva que agora cai?...
Esses pensamentos trazem ao ínterim uma vontade de chorar. Como seria chorar debaixo de chuva? Faria alguma diferença? A alma sente as cores vivas e vibrantes do passado menino; mas os olhos, esses só enxergam a água escura das poças que ficam maiores e ameaçam tragar os sapatos encharcados...

Imensidão da noite chuvosa






Infidáveis caminhos apareceram logo adiante. O carro ia rápido e me levava para qualquer lugar. Mas esta noite chuvosa não era para carros ou rapidez: era para ser curtida, sentida ao máximo extremo. Por isso desci, era melhor caminhar, sentir o ar pesado e frio entrar em minhas entranhas.
Não tinha destino certo, qualquer lugar era melhor que a casa vazia que me esperava. A chuva espessa molhou rapidamente os meus pés, logo estava com os sapatos encharcados, mas eu nada sentia. Só a solidão da noite absorvia minha atenção agora.
Então me pus a pensar na imensidão do mistério que me rodeava. O que era eu? Quem eu era? Por que o passado ficou e eu não? E esta noite, meu Deus, por que me cobra um legado que nem me pertence? A verdade é que não quero nada disso. Abri mão há muito tempo de tudo o que sou, de todos que me eram, do sempre que serei. A vidraça ao meu lado reflete minha imagem. Como me tornei um homem sombrio? Na verdade sou mais sombrio que minha própria sombra, um espectro vagando sofregamente pelas ruas vazias e enlamaçadas.
A imensidão me dá tempo para olhar em volta, contemplar tão magnífica existência, e me lamentar por tamanha pequenez que é minha própria vida. Há infindáveis caminhos, então por onde seguir? Há tantos muros, não existiriam ali melhores caminhos a seguir?.
O ar fica mais pesado. A calma é recobrada. Meus passos ficam mais lentos, indecisos. Não será melhor voltar pra casa? Talvez se voltar a pé, assim posso me embrenhar mais ainda na embriaguez onírica de meus pensamentos. Decido voltar. Já não é possível estar desgarrado do lar. Um dia todos têm que voltar. Até mesmo os fantasmas. Quem sabe a velha casa, todos meus amigos, a bebida, a música, os debates sobre o nada, tudo isso volte também? Eu não sei. Há muito deixei de saber. E de mim? Será que um dia soube algo sobre mim mesmo? Hum, não sei. Ou será que sei e não quero admitir? Ou tenho medo de admitir?
Muros imensos rodeiam a rua. Casas se escondem em meio às barreiras de cimento e tijolos. Vidas se desvinculam das outras, é cada um por si. E então penso no tamanho do muro que tenho construído ao meu redor. Verdadeira fortaleza de dores e angústias, é lá onde me refugio, me renego, me castigo. E a imensidão da noite chuvosa, noite materna, noite sublime, fecundo terreno onde renascem as lembranças mais ternas e queridas...

Confiteor I






Escrever nem sempre é a coisa mais fácil do mundo. Principalmente para pretenciosos quase-escritores como eu. Quando se desafia o mundo da idéia, da palavra e do sentimento, unido a tudo isso a fim de perpetuar um momento, uma lembrança ou um caos pessoal, às vezes atingimos objetivos até então considerados inexistentes por nós. Às vezes a palavra torna-se vilã, ao invés de encantar, de mostrar o mundo como o enxergamos.
Todo escritor é um contador nato de histórias e estórias. Não quero dizer com isso que quem escreve é mentiroso, enganador! Não! Acontece que muitas vezes é necessário alguns exageros - se é que posso defini-los assim! - a fim de dar um "tchan" a mais à narrativa, o que só torna o texto mais gostoso de se ler, fica mais divertido se embrenhar pela criação do escritor.
Eu me considero um pretensioso quase-escritor, contador de quase-histórias. O passado antigo serve-me de combustível para meus escritos amadores. Mas não estou tão interessado em sucesso, aplausos, fama, dinheiro. Me contentaria muito mais com um mero exemplar de algo escrito por mim, na minha estante. Isso com certeza me daria uma idéia de posteridade, de que fiz algo que vai ficar para outras gerações, ao menos isso. Como falhei nessa tentativa, me valho dos recursos do blog para expor idéias, sentimentos, quase-histórias e outras tentativas literárias, ainda que amadoras e pueris. Mas isso é importante para mim, pois é parte de mim, uma forma de pôr para fora tudo que sempre me sufocou e fez doer, e que hoje, graças a um novo estilo de vida, não tem peso nas minhas emoções.
Sim, é verdade, uma parte de mim está presente nestas linhas mal traçadas. Uma parte que foi realidade um dia, mas, como o próprio passado, foi sepultado com o passar dos tempos. Só restaram lembranças, que também vão se tornando menos nítidas, amarelecidas, como uma velha fotografia borrada. O que faço apenas é tentar - e sei que isso é algo impossível - mantê-las um tanto acesas.
De todas só uma lembrança me dói nesta vida que me acolheu: a do menino que um dia fui, guri inteligente, de uma sagacidade vivaz, feliz com sua infância renovada por cada manhã orvalhada que o acalentava. Este guri até então feliz, que teve as brincadeiras e sorrisos roubados pela dor da perda do lar, pelo profundo vazio a que foi condenado, pelos sonhos, todos banidos, dando lugar a uma sombria perspectiva de vida. A muitas custas esse guri tentou ainda emergir de dentro de mim, parecia que a qualquer momento o regurgitaria pela garganta afora, mas ele se reteve, se aquietou no poço de escuridão. E nunca mais voltou...

Música e amor I



Sintonizando diferentes estações, o rádio do carro traz de volta a mim uma canção que há muito não ouvia. E logo aquela canção conhecida enche de enlevo os meus ouvidos, bela canção de meus dias meninos, e de profunda nostalgia o coração, por um tempo que não volta mais. Fiz menção de mudar de estação de rádio, mas desisti: não adiantaria tentar fugir daquela lembrança evocada...
A música tem o poder de transfigurar a realidade de agora numa lembrança nevoada, embaçada, e isso me causa dor e consternação. Por isso me permito o regresso a dias outros, bem distantes, bem antigos, lá para trás, quando uma bela garota foi capaz de despertar naquele jovem que um dia fui, o amor.
Ivone, para mim era a garota mais linda do mundo (ainda que minha visão de mundo fosse bem limitada!). Com seus cabelos ruivos e soltos, seus olhos grandes cor de amêndoa e seu cheiro de menina-mulher, ela foi o alvo de minhas pretenções amorosas. Sentava-se bem ao meu lado na sala de aula do também saudoso Colégio Estefânia Conrado, berço reverberante de minha formação escolar, e onde eu ficava aulas inteiras fitando-a, a seu sorriso fácil, a sua meiguice contagiante.
As longas horas depois da escola eram suportadas pela expectativa de vê-la no dia seguinte, e eu sentia um verdadeiro êxtase ao simples mencionar de seu nome. Nas muitas noites reclusas que passei, me sentava no escuro noturno, o rádinho de pilhas, ouvindo aquela canção que marcou aquele momento e aquele amor: AL DILÁ, um bolero italiano que falava do amor que é maior que o mar, as estrelas e tudo o mais. E era exatamente como eu amara Ivone: acima de tudo o que tinha e era naquele instante único. Sim, desde o primeiro instante já amava a Ivone.
Tanto que as horas de aula não mais eram suficientes para suprir minha necessidade de tê-la perto de mim. Então sempre arrumava subterfúgios para encontrá-la depois da escola: dava um jeito de emprestar-lhe algo ou pedir emprestado; assim, eu poderia devolver-lhe pessoalmente, indo até sua casa e assim matar minha sede de um instante a mais junto a minha amada.
Logo essas estratégias não bastariam também. E aí começou meu verdadeiro suplício: falar-lhe de meu sentimento, de meu amor...
Pus em prática meus tenros dotes quase-poéticos. Vários foram os bilhetes de amor que escrevi, cerrado no banheiro do colégio. Eles falavam do meu sentimento, da possibilidade de ficarmos juntos, enfim, era um pedido de namoro. Jamais qualquer deles chegou às suas mãos.
O tempo passou, o fim do ano letivo se encerrava, aumentando o meu desespero de não mais vê-la e estar próximo dela. Um grande dilema se apoderara de mim: vencer o medo de ser rejeitado e dizer que a amava ou calar-me para sempre.

* * *

Um dia tive que partir. Ela também partiu, para o coração do Planato Central, soube depois. Eu me entranhei na Bahia, até hoje. E o meu silêncio, a escolha, foi quebrado por esta canção que marcou aquele amor improvável do passado, que trouxe neste agora, além de saudade e consternação, o arrependimento de não ter ao menos tentado.

De como o amor transcende até o fim




É incrível como AMOR está em tudo e em todos. Se alguém discordar disso basta olhar em volta, para a natureza, onde coisas assombrosas se derramam diante de olhos atentos e extasiados. Quem nunca se maravilhou com um pôr-do-sol perfeito, com a poesia de uma flor bela e solitária, com o úmido encanto de uma cachoeira, calma e convidativa para um banho? Ou mesmo nas coisas bem mais simples e comuns, mas nem por isso menos sublimes, como uma tarde de ócio, um dia chuvoso em casa com quem se gosta ou ainda a melodia do canto suave de um pássaro? Em coisas como essas as pessoas costumam associar o AMOR, fruto do coração compassivo e benévolo de Deus. Então, tudo na Terra seria um presente de Deus aos seus filhos mortais, prova indelével de seu imenso AMOR por nós...

Posso dizer também com plena certeza que há AMOR em todos, indistintamente. Até mesmo no mais frio e calculista genocida. Como? Isso mesmo! Até seres privados de qualquer sentimento de piedade e compaixão por seu semelhante amam sua causa, ainda que esta forma de amor seja mais doentia do que benfazeja. Mesmo sendo algo insano e ao mesmo tempo interessante, há que se concordar com a forma desprendida como se entregam aos seus ideais nefastos, ceifando suas próprias vidas - e a de muitos outros - por um deus que nem mesmo sabem quem é ou o que quer. Mas vá lá...

Terminada esta pequena explanação sobre o AMOR, quero também falar um pouco desse sentimento capaz de transcender até mesmo o fim da existência dos homens. E quero fazê-lo citando três pequenas histórias de AMOR, apresentadas nas telas de cinemas. Trata-se de como o AMOR é capaz de transcender a barreira de nossa efêmera vida, e se perpetuar na lembrança daqueles que ficam...

Irei citá-los na ordem em que eu os assisti, de orelha. Por isso vou começar com "Love Story", uma história de amor escrita por Eric Segal e dirigida por Arthur Hiller. Trata-se da história de um jovem (e muito rico!) estudante de Direito que conhece e se apaixona por uma estudante de música. Eles então decidem se casar, mas os pais de Oliver IV se negam a aceitar este enlace porque Jennifer é de família humilde. Logo o pai de Oliver IV o deserda e eles têm de se virar para sobreviver. Depois de muitas reviravoltas em que o jovem casal passa por dificuldades financeiras, OLiver IV consegue emprego num dos mais respeitados escritórios de advocacia e então sua situação melhora drasticamente. Felizes, decidem ter um filho, mas, depois de várias tentativas frustradas, decidem procurar um médico especialista em fertilização. E então Jennifer descobre que está com leucemia e não tem muito tempo...
O que faz desse pequeno excerto tragicômico é como a vida pode, às vezes, ser tão desesperadora quanto sublime. Oliver e Jennifer têm tudo para serem muito felizes, mas a doença dela causa um enorme desespero na vida daquele casal que tanto se amava. E então eles buscam viver cada minuto juntos, numa tentativa desesperadora de se manterem unidos, de perpetuarem seu sentimento, de extraírem do outro o motivo de sua existência. Mas um dia Jennifer parte, e então Oliver tem de aprender a viver sem sua amada, ou, pelo menos, tentar viver das lembranças do AMOR que os uniu e os fez melhores um para o outro.

O outro filme, "Antes que termine o dia", do diretor Gil Junger, traz a história de Ian e Samantha, ele, um jovem executivo em ascenção numa empresa de pesquisa genética, ela, professora de música para crianças e integrante de uma orquestra onde está prestes a se formar. O drama deste casal começa quando Sam percebe que Ian não está muito interessado em demonstrar seu sentimento por ela preferindo investir em sua carreira. Ao contrário de Sam, que faz tudo para agradar ao namorado, de quem gosta muito. E essa aparente dificuldade entre os dois se acentua quando Ian parece não ligar para as coisas que Sam gosta e estima, como sua audição de formatura, o carinho demonstrado por seus alunos de música ou mesmo pelo amor que Sam devota a ele. Eles acabam rompendo o namoro, Sam sai apressada do restaurante onde estão e pega o primeiro táxi que passa. Logo em seguida a tragédia ocorre, quando o táxi em que Sam se encontra é atingido por um carro desgovernado. Ian corre até o local, desesperado. Samantha é levada para o hospital, mas não resiste...
Ian não consegue entender como aquilo pôde acontecer, e então passa a pior noite de sua vida: o último dia de vida de Samantha, a mulher de sua vida. Mas algo inesperado e inimaginável acontece no dia seguinte: Ian acorda e dá de cara com Samantha vivinha da silva! No decorrer daquele dia ele percebe que tudo está se repetindo como o dia anterior. Então ele compreende que eles ganharam mais um dia, igual ao anterior, para que ele pudesse consertar e fazer tudo diferente: ele tem uma nova chance de mostrar a totalidade de seu amor por Samantha, que está além da morte...

Por último, quero citar - acho que o melhor de todos, para mim, é claro! - o filme "A walk to remenber", algo como "Um AMOR pra recordar", do diretor Adam Shankman, que conta a história de Landom Carter, um jovem causador de problemas e popular na escola. Landom aparentemente tem uma vida perfeita, legal, cheia de "aventuras", onde se envolve em confusões e brigas, além de ser desejado pelas garotas de sua escola por ser muito popular. Mas um infortúnio o faz se aproximar de Jamie, garota recatada, politicamente correta, filha do pastor da cidade e totalmente oposta ao nosso herói. A peça de teatro da escola os aproxima ainda mais e Landom começa a perceber que tem de mudar seu jeito de ser, buscar outros interesses, além de tentar conquistar aquela garota tão diferente das muitas outras que ele já teve. Então eles se apaixonam e decidem ficar juntos, fato que chamou a atenção dos antigos amigos de Landom e companheiros de arruaças. Tudo ia bem até Jamie revelar a Landom que tem leucemia - uma coincidência com "Love Story"? - e que não reage mais ao tratamento, o que lhe dá pouco tempo de vida. Landom obviamente se desespera e tenta ajudar sua amada, pedindo, inclusive, ajuda ao seu pai, com quem há muito não se dá bem. Essa trama toma alguns reveses até culminar com o casamento dos dois, seguido pela partida inesperada de Jamie. Então Landom volta a Beaufort, quatro anos depois, onde revive cada lugar onde esteve com o AMOR da sua vida, amor que foi capaz de salvá-lo de uma vida de desordem e perdição. Jamie salvara a vida de Landom, mas este fora o milagre da vida dela...

Essas são histórias belíssimas de como o AMOR é capaz de mudar caráter, atitudes, transformar fraqueza em força, caos em esperança, dor em alegria. Mas o que as tornam mais belas é o fato de parecerem tanto com a vida de cá, fora da tela: a vida real, a nossa vida. Há tantas pessoas que têm ou tiveram um AMOR que as marcou, fez delas melhores pessoas e trouxe mais calor e vida à sua existência. São histórias que contam a história de pessoas como nós, comuns, porém, muitas vezes marcadas por algum infortúnio que nos tira a presença do ser amado, como acontece com essas três novelas que retratam a vida real. Mas será mesmo que o AMOR tem fim quando um dos amantes e amados parte? A História diz claramente que não, e a arte imita muito bem a vida...

Exaltação




Eu bem que poderia mergulhar nos teus olhos claros e calmos,
e me deixar levar pela correnteza da imensidão e do pasmo;
eu bem poderia me afogar em meio a tanta beleza e consternação,
isso, certo...

Eu bem poderia aquiescer ante teu sorriso fácil e pueril,
quem sabe poderia sonhar madrugadas serenas,
banhadas pelo luar terno e plangente.

Bem poderia, talvez, perder-me por tamanha audácia,
de invadir tão remoto encanto.

Eu bem poderia querer perder-me neste mar tempestuoso
que são tuas incertezas e medos;
bem poderia cativar tão cálido e doce coração,
mas o que fazer então?
se poderia?

como quasepoeta, de versos improváveis
a pequena princesa,
contigo sonhar-te...

Noltalgia




Era noite alta, estávamos Alberto e eu sentados na varanda da casa, as xícaras já vazias. Um silêncio profundo nos envolvia e Alberto, até então imerso em seus pensamentos, disse de repente: "Sabe Pablo, outro dia estava me lembrando da velha casa, era bom aqueles tempos, não?" Sorri, recostando-me ainda mais na poltrona. "Sim, meu caro amigo, tudo foi bom. Aliás, até hoje revivo cada momento vivido na nossa new house". Uma estranha nostalgia vai me invadindo, ao lembrar daqueles tempos antigos do passado. A velha casa se fora levando consigo todos os momentos bons que havíamos vivido ali. Alberto pega o violão, até então esquecido junto à parede, e começa a tocar a velha canção conhecida:

"Olhos fechados, pra te encontrar,
não estou ao teu lado, mas posso sonhar..."

Fecho os olhos, ouço atentamente cada verso, ao tempo que um estranho enlevo enche aquele momento e a nós. "Alberto, meu caro, por que as coisas têm que ter fim um dia? Por que tudo ali na old new house se perdeu assim de repente?" Alberto, fazendo seu cacoete habitual toda vez que iria dizer algo muito sério, disse: "Olha Pablo, não será você que se perdeu e nem se deu conta disso? Um dia todos teriam que partir. Primeiro Jairo, depois eu. Só você insistiu em ficar." Alberto tinha razão. Todos um dia partiram, foram em busca de outros planos, outros sonhos, outros ideais. Parece que somente eu fiquei, como sombra do passado, preso na velha casa. "Também devo muito àquela casa e ao que foi vivido ali, mas tudo um dia teria que passar, virar passado, entende?", ele me disse. Balancei a cabeça concordando sem prestar muito atenção ao que Alberto dissera, na verdade estava mergulhado, imerso em pensamentos de saudade, as velhas lembranças eram alvo da minha atenção agora. "Fizemos tanto ali, experimentamos uma liberdade incrível, as músicas que compomos, as noites literárias e baratas, regadas a violão, café e waffer; as mulheres que amamos, tudo não mais será...", disse eu. Alberto se levantou, tocou o meu ombro e disse: "Ah, meu caro e saudoso amigo, sempre disse que você era um refém do passado, do seu passado. Mas tenho que concordar com você que também sinto muito falta daqueles dias memoráveis. Me lembro como Jairo era chato e insistente fazendo-nos treinar Taekwondo com ele. As madrugadas bêbadas ouvindo Walter Jackson e escrevendo nossas bobagens... Sim, meu caro, tudo aquilo foi importante para mim." Sorri. Alberto tinha razão. Tudo foi importante. Para todos nós. Sobretudo para mim, que continuo rememorando cada dia as tardes mornas em que sentava-me à sombra da castanholeira, olhando a rua vazia, como a que esperar. Na verdade eu esperava sim: esperava por um amor que jamais seria meu, esperava que aquela noite fosse perfeita. Mas, enfim tudo se foi. Apenas eu fiquei para suportar o vácuo trazido com o fim de tudo.

Alberto, como eu, estava quieto. Olhávamos para muito além, para o passado. E nós sabíamos perfeitamente porque...

O fim



"Gessiner, você acha que vale a pena o amor?", eu perguntei. Ele me olhou de soslaio com seus olhos negros e profundos, cofiou por alguns intantes o bigode grisalho e disse naquela voz rouca que me fazia lembrar Al Pacino em O Poderoso Chefão: "Pablo, sempre vale a pena amar, por mais que isso nos custe". Na verdade, eu esperara que Gessiner, no alto de seus muitos anos de vida, fosse discorrer romanticamente sobre o amor e suas aventuras amorosas, ao invés da forma direta e sem rodeios como dissera. "Se existe algo que mereça ser cultivado nesta vida isso é o amor", foi o que disse ainda antes que eu mergulhasse nos meus pensamentos.
"Estou me referindo a amar uma mulher, Gessiner", disse explicando-lhe. "Aí é que está!", ele deu de ombros, e então se sentou novamente, os olhos perdidos em algum ponto da noite clara que iluminava seus cabelos ralos e brancos. Naquela altura eu desconfiava que Guessiner nada entendia sobre amar alguém, quanto mais uma mulher. E, além do mais, o que eu queria na verdade era potencializar a dor que rangia no meu peito. Punir-me pelo maior erro que já fizera, me castigar ainda mais pela idiotice que fizera na noite anterior. Estava desolado...

- "Escute, preciso te dizer algo importante", eu dissera.
- "O que foi? Aconteceu algo?", ela disse.
- "Eu não posso ser seu amigo. Na verdade, nunca quis ser seu amigo, por isso não podemos continuar nos falando, preciso me afastar de você..."
- "Mas por que? O que fiz? Eu disse algo que te magoou?", eu podia sentir pelo fone uma ponta de desespero.
- "Não, não é nada disso. Apenas não posso ser amigo da mulher que eu amo..."
- "Pablo, não..."
- "Olha Evelyn,eu sinto muito. Não quis que fosse assim, mas não posso continuar assim desse jeito; estou muito confuso com isso tudo, é demais para mim... me desculpe... eu... me desculpe".
Pude ouvir o som abafado de lágrimas. Evelyn chorava.
- "Por favor, Pablo..." ela hesitou um pouco, "eu sempre disse que não havia nada!", ela disse entre soluços. Alguns segundos e então completou:" Por favor, me deixe em paz! Deixe a minha vida em paz!" No instante seguinte, um clique e o fone ficou mudo. Fiquei segurando o fone mudo por um bom tempo antes de repô-lo no gancho. Uma estranha sensação começou a me invadir, era como se tudo tivesse desabado sobre minha cabeça, meu coração doía e me senti mais vazio do que nunca... Eu estava cheio de...nada.

"Você está se sentindo bem? Está tão calado, estranho", a voz de Guessiner me tirou do meu transe. "Sim, Guessiner, estou bem, apenas um tanto vazio...", disse-lhe levantando-me. "Ah, tudo bem", ele disse sacudindo a cabeça, mesmo sem entender nada do que se passava comigo. Pobre Guessiner, jamais compreenderia o que era sofrer por alguém que jamais o amaria...

Falta




Os meus olhos se perdem na imensidão do céu frio e estrelado. Mas a lembrança do teu abraço me aquece nesta noite em que tudo e nada têm importância. Aperto ainda mais os olhos, tento enxergar estrelas mais distantes, mas tudo o que consigo é ver um punhado de borrões na vastidão do espaço. Que extensão terá este vazio que me ameaça tragar?
No entanto, a noite está agradável. Uma leve brisa engrandece este momento de espanto e contemplação. Dostet longe está, mas não será seu rosto amado o que vejo entre as nuvens brancas que escorregam pela noite mágica? Ou será que de súbito a saudade começa a doer no meu peito?
O certo é que uma densa falta começa a me deprimir. E é irônico que num momento tão sublime falte algo! E então começo a desconfiar que jamais seremos de todo completos; nossa infortúnia existência será para sempre marcada pela falta de algo: algo para amarmos, algo em que nos apoiar, até mesmo algo capaz de nos fazer estúpidos e ridículos.
Numa noite como essa, tudo e nada está evidente. Mas dentro de mim uma falta latente me incomoda: meus olhos procuram, entre as muitas estrelas que me sorriem, a tua face querida. Um grito ameaça escapulir das minhas entranhas. Não é um grito de desespero, nem dor. Mas um grito de falta, da falta que tua presença causa.
Então, o que posso fazer? Talvez no lugar onde estás um céu assim te sorrie também. Talvez, como eu, estejas a contemplar a beleza do mistério da noite sem fim. Talvez no teu ínterim uma profunda falta ecoe de forma intensa também. E a única certeza que existe neste instante único é de que temos um ao outro, ainda que me falte, nesse instante, a tua presença desejada, querida Dostet.

Sonetinho de vazio

Naquela tarde relembrada
no momento em que partias,
a felicidade se acabara
e o amor no meu peito ardia.

Me pus então a chorar,
a prantear tua infinita ausência;
quem sabe um dia tu voltarás
para completar minha existência.

Na poesia me refugiei
a fim de abrandar tamanha dor
que tua ausência me causou.

Porém, restara apenas vazio
enchendo meu coração vadio
e o meu mundo ser cor...

A dor de partir




Sozinho, as lágrimas afloram. São lágrimas tristes, demasiadamente tristes. Mas também lágrimas covardes. Quem dera se eu as pudesse expor à minha amada, que fica...
Para trás ficam os dias cheios de sua presença, Dostet. Rapidamente o carro se afasta da cidade querida e da minha eterna amada. Eu parto para um lugar hostil, onde não terei os seus beijos de bom-dia, nem seus abraços apaixonados, nem seus olhos queridos. Agora, eu parto.
Minha lágrimas teimosas me banham a face. O coração se aperta no peito e parece que jamais. Tantas palavras poderiam ser ditas. Ou, talvez não. Apertei a cara contra o vidro da janela do carro para mais uma vez te ver. Então acenávamos um ao outro, um dia talvez. E em algum ponto eu não te vejo mais; e aí começa o meu suplício, pois a imagem que levo de você, Dostet, é para noites solitárias, e não para partidas. Por isso as lágrimas. Por isso essa dor que levo no peito.
A paisagem passa ligeiro pela janela do carro. Uma imagem feia e borrada. A distância entre nós fica maior, a despeito do teu rosto tão dentro de mim. E o que posso fazer? Chorar...
Mas não te culpo. Não há culpados. Ou será que há? Ou será que sou eu? Sim, talvez. Réu confesso me tornei, e por isso preso fui ao teu coração. Minhas lembranças não são mais minhas, mas nossas; e agora sou parte tua, sou teu, Dostet. Então sou culpado sim! Se hoje sofremos esta separação foi por ter ousado invadir sua vida. Mas de invasor, passei a ser amante e amado, e o teu amor foi tudo para o meu nada! E agora sou, agora o sou. E por isso eu te amo...



18/01/2009
09:37 am
quando parti e deixei quem sempre amei...

A verdade sobre meu amor



Talvez você pense que meus olhos não buscam mais os teus,
talvez eu não venho dizendo mais o quanto amo você,
talvez muitas coisas não sejam mais tão intensas como o dia do nosso encontro,
mas nem por isso meus sonhos perderam a beleza da tua presença.


Talvez de minhas mãos a poesia tem sido escassa,
talvez não temos contemplado o pôr do sol juntos
nem deixado as ondas do mar bater em nossos pés,
porém, não se esqueça que minha mão sempre tem buscado a sua...


E se por acaso eu me perder em meio aos problemas,
Por favor, traga de volta a epifania, o encanto
Que sempre foram a força do nosso amor
Faça chover sobre mim um céu de luzes...


De nada vai adiantar as manhãs,
Pra que me servirá a luz das estrelas
Ou o silêncio da contemplação
Se eu não puder me enternecer ao lado de minha amada?


Talvez nós tenhamos feito planos imperfeitos,
Que por força do acaso fracassaram;
Mas a verdade é que temos o amor em nós
E força maior não há para aqueles que por ele se entregam...


Eu não vou prometer uma vida sem lágrimas
Elas são inevitáveis, até precisas;
Mas com elas te ofereço um sorriso, te dou um presente
Meu coração te dou como a poesia que nunca escrevi.




Quase-escritor...
À sua amada Dostet

Enlevo



Eu quero agora falar, sobretudo, de felicidade. Dizer que a simples menção do teu nome traz uma assombrosa inquietação; que tua falta se constitui em grave falha na minha existência. Quero, sobretudo, falar de uma forma desnatural as coisas da vida e do coração: dessa felicidade estranha que me toma todas as vezes que de longe te vejo; dos fortuitos sonhos que roubam-me a paz nas noites que suspiro teu cheiro; das maneiras diferentes em que me pus a declarar como, enfim, és única para mim.
Quero simplesmente lembrar da tarde incomum que brindou a vida com esse encanto de amor; do latente receio de nos olharmos, como se tivéssemos medo de dizer que há muito perdêramos esta guerra: nos tornamos vítimas dos nossos corações ávidos pelo amor esperado.
Quero tão sublimemente evocar uma das noites áureas que passei acordado, olhando as estrelas do céu que emolduravam toda uma casta de sonhos que ora nascia dentro de mim. Quero nessa hora vivificá-los, um a um. Quero, ainda, quem sabe, constranger-me por cada poesia que nunca pude te ofertar; na verdade faltava-me jeito de materializar em palavras toda a epifania que envolveu meu mundo. Na verdade, tinha os olhos perdidos no horizonte noturno, alheio ao barulho da noite caótica que me cercava.

Tivera eu nesse instante um momento de silêncio, de contemplação pela magia tão latente: estava cheio de enlevo, como se, em algum momento, isso tudo fosse se tornar poesia, viva poesia...

Coisa de criança



Desde cedo o menino descobriu a janela. Era de lá que ele podia fitar a longa rua, à espera de que viessem buscá-lo. Ele mal sabia o que significava esta palavra: espera. Mas sentia bem o medo do abandono, de acabarem esquecendo-o. A janela era a forma que encontrou para abreviar o tempo e ficar menos aflito.
Era dali também que se acostumou a ver a vida passar. Mal nascia o dia, já estava o menino postado ao parapeito da grande janela que enchia a casa de cor, luz e alegria. Dali podia ver as pessoas passarem para lá e para cá; se divertia com os tipos mais esquisitos, como o velho padeiro que passava pela rua todas as tardes, enorme chapéu de palha na cabeça, escanchado numa velha bicicleta onde estava acoplado o grande balaio repleto de pães fresquinhos e perfumados, bradando aquele seu bordão conhecido: "Padeeeiiiro!"
O menino, então corria para o interior da casa, e dava um jeito de pedir à mãe uma moeda e assim comprar um daqueles pães cheirosos que alimentaram suas tardes...

Então, ele voltava ao seu posto de observação. De onde estava podia ver com amplidão a vida que se desenrolava lá embaixo, sem, contudo, se misturar. Na sua cabeça a vida era um caminho desconhecido, perigoso, assombrado por loucas que subiam a rua gritando palavrões impublicáveis e adultos cabisbaixos de olhos cinzentos; também sua timidez o impedia de misturar-se ao convívio social e aos tipos que tanto se acostumara a mirar. Se acostumou a ser só...
Na escola, sentava no fundo da sala, bem no canto, afastado de qualquer contato. Só falava quando era instigado pela professora, que lhe perguntava coisas como a capital de algum estado, quanto era dois mais dois. No mais, fechava-se no seu mundo, que era bem mais divertido, repleto de personagens encantados, como o Nônomum, herói de seus dias de guri.
De volta a casa, era a mesma coisa: sua vida se resumia a fitar a vida pela janela, numa longa espera, que jamais teria fim. Quando crescesse, moraria numa casa com uma janela maior, de onde pudesse ver até o fim do quarteirão, que para ele era o limite de seu mundo.
Um dia, todos foram embora. Mas não se lembraram de buscá-lo. Então o que podia fazer era passar as horas preguiçosas do dia debruçado sobre a janela, aquele mesmo menino, criança inocente que aprendeu a esperar, mesmo por aqueles que o abandonaram e o fizeram ser o que hoje é...
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