Imensidão da noite chuvosa






Infidáveis caminhos apareceram logo adiante. O carro ia rápido e me levava para qualquer lugar. Mas esta noite chuvosa não era para carros ou rapidez: era para ser curtida, sentida ao máximo extremo. Por isso desci, era melhor caminhar, sentir o ar pesado e frio entrar em minhas entranhas.
Não tinha destino certo, qualquer lugar era melhor que a casa vazia que me esperava. A chuva espessa molhou rapidamente os meus pés, logo estava com os sapatos encharcados, mas eu nada sentia. Só a solidão da noite absorvia minha atenção agora.
Então me pus a pensar na imensidão do mistério que me rodeava. O que era eu? Quem eu era? Por que o passado ficou e eu não? E esta noite, meu Deus, por que me cobra um legado que nem me pertence? A verdade é que não quero nada disso. Abri mão há muito tempo de tudo o que sou, de todos que me eram, do sempre que serei. A vidraça ao meu lado reflete minha imagem. Como me tornei um homem sombrio? Na verdade sou mais sombrio que minha própria sombra, um espectro vagando sofregamente pelas ruas vazias e enlamaçadas.
A imensidão me dá tempo para olhar em volta, contemplar tão magnífica existência, e me lamentar por tamanha pequenez que é minha própria vida. Há infindáveis caminhos, então por onde seguir? Há tantos muros, não existiriam ali melhores caminhos a seguir?.
O ar fica mais pesado. A calma é recobrada. Meus passos ficam mais lentos, indecisos. Não será melhor voltar pra casa? Talvez se voltar a pé, assim posso me embrenhar mais ainda na embriaguez onírica de meus pensamentos. Decido voltar. Já não é possível estar desgarrado do lar. Um dia todos têm que voltar. Até mesmo os fantasmas. Quem sabe a velha casa, todos meus amigos, a bebida, a música, os debates sobre o nada, tudo isso volte também? Eu não sei. Há muito deixei de saber. E de mim? Será que um dia soube algo sobre mim mesmo? Hum, não sei. Ou será que sei e não quero admitir? Ou tenho medo de admitir?
Muros imensos rodeiam a rua. Casas se escondem em meio às barreiras de cimento e tijolos. Vidas se desvinculam das outras, é cada um por si. E então penso no tamanho do muro que tenho construído ao meu redor. Verdadeira fortaleza de dores e angústias, é lá onde me refugio, me renego, me castigo. E a imensidão da noite chuvosa, noite materna, noite sublime, fecundo terreno onde renascem as lembranças mais ternas e queridas...
Blog Widget by LinkWithin