The old house



Não há como não me lembrar da velha casa dos meus idílios. Ela está lá ainda, eu sei, no mesmo lugar, na velha rua das castanheiras. Mas o tempo passou, eu mudei, a própria casa também mudou, o tempo é assim: latente inimigo da memória e da saudade, destrói silenciosamente a lembrança mais querida, mais evocada, mais desejada...
Naquela velha casa eu via chegar pela janela o anúncio da nova manhã, repleta de cheiros, cores, lembranças e, sobretudo, muita saudade. Como um quê, uma parte de meu coração ainda permanece vivo entre aquelas paredes conhecidas, uivos podem ser ouvidos, na verdade gritos finais de uma existência que se foi.
Sobretudo, naquela casa o sonho foi celebrado. Me pergunto quantas madrugadas esperei ansioso pelo novo dia, sabendo eu que ela viria, afinal. Esperava sentado à porta sua chegada que, afinal, nunca aconteceu. Ainda assim assumia meu posto, sentado à sombra da velha castanholeira, olhando o horizonte vazio que se tecia na tarde serena...
Ela nunca mais voltou. Com ela se foi também meu único instante de completude, única fímbria de felicidade que, de maneira inexplicável, se apossou do meu coração quase-amante. Então tudo acabou.
Mas havia ainda a casa, a minha casa querida. Havia, ainda, as noitadas regadas a vinho barato e violão; havia a roda de amigos sentados em círculo, contando pilhérias desgastadas e histórias de amores frustrados. Havia a canção nunca gravada, que contava um pouco de nossa história e de nossa dor. Havia a verdadeira amizade, talvez o tesouro mais valioso que restara, entre os integrantes daquela pequena comunidade. Havia as boas risadas nas noites chuvosas, quando, à luz de velas, íamos desfiando um pouco do nosso passado menino. Havia...
Um dia todos partiram. Era hora de tomar seu rumo próprio. Acho que apenas eu continuo vivendo a velha casa, com seus fantasmas. Talvez eu mesmo tenha me tornado um deles. Esse é o destino de quase-escritores como eu: Heminguey dissera uma vez que se você quisesse se tornar um grande escritor, teria que ter uma vida triste. Bem, o vaticínio hemingueyano não se consumou no meu caso, porque, embora tenha uma vida elegíaca, esse fato não foi capaz de me tornar num escritor bom e respeitado. Me restou escrever textos sentimentais, que falam de saudade, como a da bela casa onde pude ser um pouco eu mesmo.
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