Uma vez e nada mais




O fim da sua jornada se aproximava. Logo, Pablo teria de partir, então diria adeus a Andreia, a bela garota que dividira sua poltrona numa viagem qualquer. Por isso a olhava com mais interesse ainda, queria ter a certeza de que se lembraria do seu rosto, a maneira como sorria, dos seus olhos marcados por lápis preto.
Soube que ela vinha do Rio de Janeiro, ia visitar os pais no Ceará e não tinha data para retorno. Pablo achara estranho uma viagem assim, sem dia para acabar. Talvez pudesse fazer isso um dia: viajar sem retorno, sem data certa para voltar.
A paisagem corria rápido pelo vidro da janela embaçada pelo ar condicionado, e Pablo aproveitava para contar seu limitado repertório de anedotas, e mesmo assim Andreia ria com sincera gratidão por ter encontrado um companheiro de viagem tão espirituoso. Contou a ele como fora parar no Rio, um amor que não dera certo, ele acabou me decepcionando. Também disse como gostava de ler, das muitas tardes em que ficava deitada na sua rede folheando as páginas de Vidas secas, e discorria sobre a bela arte do mestre Graciliano.
Sentiu o ímpeto de tocar sua mão, mas o receio de assustá-la foi maior, então deteve-se e lhe contou como se metera nesse negócio de escrever, falando dos livros que tanto amava, das noites em que ficava até altas horas, bêbado e dizendo coisas tolas. Contou-lhe ainda sobre seu melhor amigo, Alberto e sua genialidade musical que preenchia tantas noites ao luar e ao café. "Ao café?", ela perguntou, dizendo que não havia nada de romântico nisso. Então eles riam. E era bom...

A noite ia já alta, os dois estavam calados e pensativos. Pablo sabia que logo teria que descer, sua cidade se aproximava. Num assomo de coragem Pablo disse que jamais se esqueceria daqueles momentos que viveram ali, numa viagem qualquer. Andreia sorria, assentindo. Ele pode ver uma sombra passando por seus olhos, uma ponta de tristeza. Seria por ele? Tomou sua mão perfumada (se lembraria daquele perfume?) e beijou-a delicadamente e disse tchau. Antes de descer olhou ainda para trás. Mesmo na penumbra, pode vê-la, os olhos tristes. Uma lágrima?

A última coisa que pensou foi na frase do grande Vinicius, mestre na arte de retratar momentos como o que acabou de viver: "A vida é a arte do encontro, embora haja tantos desencontros pela vida".
1 Response
  1. Gutor Says:

    Cara, mais um belo texto. E esse mme fez lembrar de Lisboa, talvez pelas ideias de viagem sem data de retorno...

    Quanto à genialidade musical de Aberto, há controvérsias!
    kkkkk

    Abraços,

    Valeu véi


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