Vida e sonho






“If you want me,
Satisfy me...”



A voz pungente e arrebatadora de Markèta Irglova enche os meus pensamentos. A música que agora toca, If you want me, de repente se expande assustadoramente, muito além da casa vazia e de mim. E é exatamente no centro do meu peito que ela vai se convergindo, como se um imenso cateter fosse introduzido nas minhas entranhas, sem anestesia alguma. E então, apenas dor e incerteza.
Como num sonho improvável, imagino como seria se Ela tivesse aceitado o meu amor e meu mundo. Tento imaginar algo muito díspar daquilo que foi vivido naquela noite de inverno, quando a pequena lâmpada se apagou, para sempre. Talvez, naquela noite antiga do passado, eu tivesse ido para a cama não com o imenso vazio e a indelével sensação de não ter tentado, e assim, desperdiçado a oportunidade de ser feliz. Ao invés, sorrindo para o teto escuro, revendo cada palavra dita e o que se seguiu depois: o coração pulsando freneticamente sob o abraço apertado; os meus olhos apaixonados, perdidos na luminescência clara e calma dos dela; o beijo quimericamente ensaiado e poeticamente sentido.
Markèta encanta minha solidão noctívaga e me faz lembrar que não foi assim como eu quis que fosse. Na letra, ela diz: “I wonder if you could ever despise me, when you know I really try, to be a better one to satisfy you”. Algo como: “gostaria de saber se você irá sempre me desprezar, quando você souber que eu realmente tentei ser o melhor para satisfazer você”. E é exatamente esse trecho que me atormenta. Pois fiz tudo para ser o melhor para Ela, estando disposto a ser maior que meus próprios sonhos. Achei que construiria um amor que fosse maior que o próprio destino, que a satisfaria, e que, por fim, estaríamos ligados por este sentimento que nascera do improvável, do acaso. E o que restara? Apenas a sua ingratidão e desprezo.
Fabio Hernandez, um escritor menos barato do que eu, escrevera que o sonho somente será belo e mágico enquanto se mantiver irrealizado. No exato instante em que se tornar real, tangível, perderá sua essência quimérica, sua pureza onírica. Talvez porque não resistiriam à crueza e frugalidade da vida cotidiana. Talvez porque vidas baratas como a minha necessitem de um par de sonhos não realizados para terem uma razão em continuar...
É como se eu pudesse ouvir Markèta me dizendo: “Pablo, você tentou fazer o melhor, mas sonhar e viver são coisas absolutamente diferentes.” Ainda que não queira, tenho a impressão de que ela tem razão.
3 Responses
  1. Anônimo Says:

    Que belo blog, Pê! Parabéns!

    É muito agradável ler um texto quando percebemos a carga de sensibilidade implícita em suas palavras.

    Vou acompanhar suas publicações!
    Abs, Robson.


  2. POLIANA Says:

    Olá...passei por aqui e com certeza retornarei sempre...suas postagens são profundamente encantadoras!
    Prazer: Poly


  3. Pê Sousa Says:

    Obrigado Poly. Sinta-se à vontade neste espaço. Espero que vc possa ter momentos de agradável leitura.

    Prossigamos...

    Hugs.


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