Sobre Marley's e um outro eu




Acabei de assistir ao ótimo filme "Marley e eu", longa baseado no livro homônimo, de John Grogan. É um filme lindo, lindo mesmo, que conta como pessoas se afeiçoam ao seu animal de estimação, de uma forma tal que até mais parece um integrante da família e não um animal apenas. Marley conquistou o coração dos seus donos, a despeito das trapalhadas que fazia, como comer paredes, roer telefones, sair correndo com roupas na boca, e tudo o que desse para pôr em confusão! Rs.

E, pensando nessa intensa afeição, é como se eu voltasse ao meu passado menino, quando um serzinho peludo entrou na minha vida, num fim de tarde tão remoto quanto minhas lembranças. Foi assim que Liane entrou em nossa vida.

Cadelinha pequenez, pelo negro com manchas avermelhadas,olhos vivos e brilhante, ela era tudo para mim naqueles dias. Gostava de chegar da escola, perto da hora do almoço e ouvir os seus latidos frenéticos, ou perseguindo as galinhas do nosso imenso quintal (para desespero da mãe!), ora para me receber depois de uma manhã ausente. Eu corria para ela com uma alegria imensa, a tomava em meus braços e a levava no colo até a casa. Então me sentava à mesa para comer, enquanto minha cachorrinha acompanhava cada garfada que eu dava, às vezes fazendo de tudo para chamar minha atenção e ganhar um osso...
Liane estava presente em todas as nossas brincadeiras. Seja correndo atrás dos meninos que brincavam nas tardes gurias, seja simplesmente lambendo-nos com sua línguona úmida, ela era nossa mais nova companheira de facécias. Adorava atrapalhar nossos babas correndo atrás da bola para mordê-la. Aliás, era o que mais sabia fazer: morder, de brincadeira e de verdade também. Rs

Um dia as chuvas vieram, então, tive a brilhante idéia de construir para Liane uma casinha de cachorro. Toda de tijolos e coberta com pequenas telhas, aquela realização foi um dos grandes orgulhos de minha infância. Mas não para Liane. Porque ela nunca queria ficar na sua nova morada, a sós, preferindo dormir ao pé da cama, onde, acho, podia contemplar a sonolenta quietude de seus donos. Isso até os primeiros raios de sol nascerem, quando saía em disparada à procura das galinhas assustadas.

Ela também deixou de ser apenas nosso animalzinho. Liane já era parte da nossa família, algo que era indiscutivelmente aceito por todos. Então veio a desgraça. Sua intensa alegria foi acompanhada por uma maresia que a fazia ficar quieta e deitada o dia todo. Não respondia aos nossos chamados, apenas balançava o rabo peludo; não queria brincar, e até comer era uma tarefa difícil. Rápido emagreceu, o pelo perdeu o viço, o brilho, passando para um opaco sem luz; seus olhinhos perdidos e tristes pareciam nos dizer que logo nos separaríamos. Nossa cachorrinha estava muito doente.
Nós a fitávamos, tristes por vê-la naquele estado, até que numa certa manhã entre cochichos de "não tem mais jeito", a levaram, dizendo que não poderia estar no meio das pessoas, confirmando nosso pressentimento de que algo de ruim estava prestes a acontecer.

Liane nunca mais voltou, restando apenas a saudade daquela cadelinha, e com sua partida repentina, um pouco de minha infância se foi também...
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